O crucifixo e a corrupção

Leitura prévia: reportagem sobre a proposta de um juiz gaúcho de se retirar os crucifixos dos tribunais.

A respeito dos argumentos utilizados no artigo “O crucifixo e a democracia“, da ZH de 20/09/05, ao menos um deles é falacioso. Está certo que uma pesquisa realizada por uma revista de circulação nacional tenha relatado que 99% dos brasileiros crêem em um deus, e isso é suficiente para legitimar a invocação divina no preâmbulo constitucional. Mas é importante verificar também o quanto desse total, além de crer em um deus cristão, seja de um credo que tenha por prerrogativa a adoração de imagens. Pode ser que eu acredite em um deus, mas isso não quer dizer que a imagem de um crucifixo necessariamente signifique algo para mim. E é aí que reside a controvérsia.
Não é o caso de instaurar o caos no país, propondo a eliminação total de crucifixos das salas de audiência, ou a abolição dos feriados religiosos nacionais. Seria oportuno, talvez, repensar o papel de um crucifixo. Será que as pessoas de outros credos (ou sem credo) realmente sentem-se intimidadas diante de um crucifixo numa sala de audiência? Ou não seria mera questão de significação: se o crucifixo não significa nada para mim, tanto faz a presença dele ou não em um órgão público. Posso não acreditar nas autoridades judiciais. E, nesse caso, a presença delas no julgamento não fará qualquer diferença na hora de prestar um depoimento.
Assim, não há por que exagerar e dizer que a proposta de retirada do símbolo do cristianismo dos espaços públicos seja um “sutil ataque a nossa débil democracia já tão golpeada“. É simplesmente uma questão tão irrelevante quanto discutir se a cor do sabonete do banheiro do Congresso pode influenciar na tomada de decisões. Há maiores preocupações que merecem a atenção nacional no momento. Deixemos a questão do crucifixo para tempos de “paz”.
Mesmo assim, não deixa de ser interessante notar como a instabilidade nacional é tanta que um mero assunto pontual acabe chamando a atenção da mídia, gerando discussão e opiniões contraditórias, a ponto de o referido advogado ter afirmado que “o ataque ao crucifixo é um insulto a este povo e a esta sociedade que legitimam o poder.” Talvez o ataque não seja tão insultante. Mas esteja sendo encarado como tal por conta da instabilidade no país. Falar dele é uma excelente válvula de escape para quem anda cansado de falar sobre os escândalos maiores do poder. Se a questão do crucifixo é um afronta à sociedade, o que dizer então da corrupção deflagrada que tem ocorrido a nível nacional?

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