Sobre a mídia

O livro “Sobre a Televisão“, do sociólogo francês Pierre Bourdieu, é de fato uma crítica ao campo jornalístico em geral, cada vez mais submetido às leis da concorrência e às exigências do mercado. A competição entre os canais de televisão, ao invés de promover a diversificação de ofertas, tem levado a uma verdadeira homogeneização do que é transmitido, porque os outros canais tendem a copiar fórmulas de sucesso, em busca de audiência e maior número de anunciantes (que, na maior parte das vezes, são os mesmos a financiar os mais diversos canais).
Na obra, o autor desenvolve conceitos bem interessantes, como fatos-ônibus (“são fatos que, como se diz, não devem chocar ninguém, que não envolvem disputa, que não dividem, que formam consenso, que interessam a todo mundo, mas de um modo tal que não tocam em nada de importante.” Os assuntos-ônibus seriam as notícias de variedade de um jornal, que preenchem o tempo útil com o vazio — é impossível causar polêmica tratando de assuntos como a previsão do tempo!), a chamada “mentalidade-índice-de-audiência” (que induz à produção voltada para o consumo), e as ilusões do “sempre assim” e “nunca visto”. Talvez o livro não devesse se chamar sobre a televisão (a despeito do fato de tratar-se da transcrição de algo que passou na televisão e falar sobre ela — o que aliás já se constitui numa bela quebra de sintagma!) mas a crítica é tão descaradamente destinada à pessoa do jornalista que é como se o culpado de tudo fosse sempre aquele que produz, (des)considerando as influências do meio em que se veicula a mensagem. Na verdade, o autor ressalta que os jornalistas são tão manipulados como manipuladores. O próprio veículo de informação pode impor limites ao agir individual do jornalista, mas mesmo assim, é ele próprio quem seleciona e constrói o que vai ser mostrado pela mídia. Ou seja, o profissional da mídia coloca uma espécie de “óculos” sobre a realidade, e impõe aos outros sua visão de mundo, exercendo uma espécie de censura prévia ao que vai ser veiculado pela televisão. E são essas “censuras” que fazem da televisão “um formidável instrumento de manutenção da ordem simbólica“. O resultado disso tudo é uma verdadeira despolitização do mundo.
E o pior é que parece que o autor tem razão! Ele faz alusão a uma espécie de círculo vicioso que reina no universo jornalístico, do qual não se consegue nunca escapar, e acaba sustentando as idéias dominantes. Um exemplo é o que acontece com a busca ensandecida dos noticiários pela urgência e pelo furo. Para o espectador, é irrelevante saber que uma determinada informação está sendo veiculada pela primeira vez por determinado veículo — porque, salvo raras exceções, ele só assiste ao jornal de um único canal mesmo. Na verdade, são os próprios jornalistas que vivem a se observar e se auto-exigir tal incumbência (pois quem mais além de um jornalista iria querer ver todos os noticiários de todos os canais, para compará-los e perceber que o seu jornal deveria falar também sobre aquilo que o outro falou?? :P)..
O autor também destaca o fato de a mídia (e em particular a televisão, por ser de fácil acesso) influir na elaboração de leis (no Brasil há exemplos contundentes, como o caso de uma onda de seqüestros que houve no país ao final da década de 80, bastante noticiados pela mídia, e que levou à edição da lei de crimes hediondos, tendo como carro-chefe a inclusão nessa categoria do crime de seqüestro mediante extorsão… outro exemplo, envolvendo praticamente a mesma situação, é o caso Daniela Perez, que levou à ascensão do crime de homicídio qualificado à categoria de hediondo, dadas as inúmeras pressões da televisão, visto que se tratava de um crime contra uma atriz de novela — o que causou enorme comoção pública — praticado por um ator — o que estimulou a necessidade de que o rapaz não ficasse impune — e deu a calhar de a diretora da novela também ser mãe da vítima — ou seja, a pressão era tamanha que o legislativo não viu outra saída senão sucumbir ao poder da mídia). Bourdieu fala mal até dos operadores do direito (pois sustentam a hipocrisia coletiva ao se submeterem ao poder da mídia a influenciar suas decisões!).
Assim, o jornalismo na televisão, ao menos das grandes emissoras que precisam fazer de tudo para manter a audiência, está sempre submetido a pressões (externas – concorrência, leis de mercado; ou internas – urgência, medo de entediar e perder o telespectador). O jornal escrito deveria estar livre disso, mas no entanto cada vez mais tem se preocupado em mostrar de forma impressa aquilo que a TV o faz de forma mais atraente: e é assim que crescem o número de imagens, tabelas, quadros, e notícias que não dizem nada e apenas ocupam espaço.
Em um universo dominado pelo temor de ser entediante e pela preocupação de divertir a qualquer preço“, parece que tudo o que a mídia faz é elaborar maneiras de escapar do tédio. E uma das maneiras de fazer isso é mostrar uma “seqüência de acontecimentos que, surgidos sem explicação desaparecerão sem solução“. A televisão mostra tudo de forma dinâmica, aparentemente desconexa e de modo fragmentário, e seus telespectadores falham em perceber que no fundo todos os acontecimentos têm alguma coisa a ver com os demais.

As críticas do livro são um pouco exageradas. Mas mesmo assim são válidas como uma maneira de se repensar o papel da mídia na sociedade contemporânea, já que ela tem produzido efeitos sobre todas as demais esferas culturais… 🙂

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