A progressão de regime em crimes hediondos

Em votação extremamente dividida (o resultado final foi de 6 votos a 5) o STF votou a inconstitucionalidade da proibição à progressão de regime aos praticantes de crimes hediondos ou equiparáveis (tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e terrorismo).

“Ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) deferiram nesta quinta-feira, por seis votos a cinco, habeas corpus que considerou inconstitucional o parágrafo da Lei dos Crimes Hediondos que proíbe os condenados de obter progressão de regime durante o cumprimento de suas penas” (Folha Online)

Trata-se do parágrafo 1° do artigo 2° da lei 8.072 de 25 de julho de 1990 — a Lei dos Crimes Hediondos. Os ministros que votaram a favor da inconstitucionalidade alegam que a regra impedia a individuação da pena (assegurada pelo inciso XLVI do artigo 5° da Constituição Federal) e a conseqüente ressocialização/reintegração do indivíduo à sociedade.
Os crimes hediondos são crimes comuns, tipificados pelo Código Penal (como o homicídio qualificado, a extorsão mediante seqüestro, e a falsificação de medicamentos) ou por legislação extravagante (como o genocídio), mas que foram elevados (rebaixados? :P) a uma categoria diferencial de delitos com o objetivo de desestimular os criminosos a cometê-los. Mesmo com a decretação da inconstitucionalidade da progressão de regime (§1° do art. 2° da Lei 8.072/90), os crimes hediondos permanecem inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia (incisos I e II do mesmo artigo).
A Lei dos Crimes Hediondos é um verdadeiro exemplo de como a mídia influencia o Judiciário brasileiro. Sua criação/aprovação se deu durante uma onda de extorsão mediante seqüestro (quando o criminoso não só toma um indivíduo como refém como também exige pagamento de resgate) de empresários no Brasil no final da década de 80. Seqüestros, como o do empresário Abílio Diniz em dezembro de 1989, foram largamente anunciados pela mídia e fizeram com que a sociedade clamasse por maior segurança. A solução encontrada (aliás, solução mágica para a maior parte das mazelas do país) foi a de criar uma lei que desse tratamento diferenciado a este e outros crimes igualmente bárbaros. Assim, com uma ampla cobertura da mídia, foi fácil conseguir a aprovação, (nossos legisladores são oportunistas…) e assim surgiu a lei 8.072 de 25 de julho de 1990.
(Chamar certos crimes bárbaros de ‘hediondos’ com certeza os transforma, ou ao menos os faz parecer, algo bem mais pesado. Afinal, faz parte da mística do direito inventar palavras difíceis para ludibriar, encantar e fascinar as pessoas comuns 😛 A força da palavra é tanta que basta dizer que alguém foi condenado por crime hediondo para que se obtenha um efeito tranqüilizante no cidadão comum. É como se declarar um crime como hediondo fosse suficiente para salvar o mundo dos criminosos.)
De lá para cá, a lei sofreu inúmeros acréscimos, sendo o mais emblemático a adição do crime de homicídio qualificado ao rol de crimes hediondos por ocasião do assassinato da atriz global Daniella Perez, em 28 de dezembro de 1992, pelo também ator Guilherme de Pádua. Ambos interpretavam o par romântico Iasmin e Bira na novela De Corpo e Alma (além de viverem um tórrido romance também por trás das telas). Por se tratar de um crime praticado e sofrido por pessoas públicas — o que causou enorme comoção pública —, e pela feliz coincidência de a diretora da novela ser também a mãe da vítima, a pressão exercida pela mídia foi tanta que o legislativo não viu outra saída senão elevar o crime de homicídio à categoria de hediondo.
Outro caso bastante noticiado (inicialmente um furo de reportagem dos jornais da TV Globo) e que foi incluso na lei por conta das pressões da mídia é a questão das quadrilhas de falsificação de remédios, deflagradas em 1998. A adição é um tanto controversa, pois, por uma interpretação tosca da lei, é possível chegar à absurda conclusão de que falsificar um batom é um crime hediondo.
Com todo esse apelo às reivindicações das massas, era de se esperar que na realidade a Lei dos Crimes Hediondos não fosse se apresentar totalmente de acordo com a realidade penal da justiça brasileira. Mas o fim da progressão de regimes não significa que simplesmente todo preso poderá ir do regime fechado para o semi-aberto apenas tendo cumprido 1/6 de sua pena. Na prática, pouca coisa muda. Para se ter uma idéia da real controvérsia, duas das dez câmaras criminais do Tribunal de Justiça do estado já vinham possibilitando aos condenados por crime hediondo a progressão de regime. E, como acontecia antes (e como acontece aos que cometem qualquer tipo de crime que inicie em regime fechado), ainda fica ao critério do juiz conceder ou não a progressão de regime (com base no bom comportamento, e outros fatores concernentes à vida do preso).
Assim, a decisão do STF pode servir para desafogar o sistema, melhorar a realidade carcerária, e facilitar a ressocialização dos presos (se é que alguém acredita que uma prisão seja capaz de socializar alguém!?). Até porque era completamente ilógico um preso poder saltar do regime fechado direto para a liberdade condicional, sem escalas. Ao menos a progressão de regimes garante que o condenado vá se reintegrando aos poucos à sociedade, e, como exige bom comportamento, assegura que o preso melhore (ou ao menos finja melhorar) sua atitude.

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One thought on “A progressão de regime em crimes hediondos

  1. Esse discurso de ressocializar preso é algo sem o menor embasamento científico, e jã nem é usado na Europa mais. È como acreditar que todo preso se dessocializado, vejamos o caso de ABadia e do Juiz Lalau não eram pobres e nem dessocializados.
    Modismos …

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