Discurso das Mídias

O livro “Discurso das Mídias” de Patrick Charaudeau (Contexto, 2006) aborda as mídias sob a perspectiva do discurso que delas emana. O assunto é tratado a partir da perspectiva das estratégias de produção de significado do discurso midiático, como uma forma de chamar a atenção para o fato de que aquilo que é veiculado pela mídia não é uma verdade absoluta, mas se trata, de fato, de uma encenação midiática. O real mostrado pela mídia seria na verdade um real construído, uma realidade que pode bem ser verdade (no sentido de que realmente aconteceu), mas que, pelo fato de poder ser abordado de inúmeras formas diferentes, no momento que se escolhe uma dessas formas, escolhe-se também uma estratégia de significação.
As “mídias” tratadas pelo autor referem-se aos dispositivos tradicionais de transmissão de informação: o rádio, a televisão, e a imprensa escrita. Em vários momentos é preciso fazer distinção entre essas três formas de produção de sentido, pois há diferenças marcantes entre os dispositivos em questão. No rádio há o predomínio da oralidade, o que permite um maior nível de abstração e requer estratégias específicas para se captar a atenção do ouvinte pelo som. Já na televisão, imagem e som podem ser utilizados concomitantemente para a construção do sentido, o que gera um novo problema: como evitar a redundância entre imagem e som? A imprensa escrita, por seu turno, permite que se façam análises mais profundas, pois esse meio permite que o leitor possa voltar atrás para esclarecer algum ponto que não tenha ficado claro no primeiro contato (algo impossível de se fazer, ao menos numa transmissão normal, no rádio ou na televisão).
O livro é dividido em seis capítulos. Na introdução são identificados os pontos norteadores da obra, com a apresentação sucinta do assunto a ser detalhado em cada capítulo.
A seguir, o segundo capítulo procura definir o que é informação (“A informação é, numa definição empírica mínima, a transmissão de um saber, com a ajuda de uma determinada linguagem, por alguém que o possui a alguém que se presume não possui-lo”, 2006, p. 33), e para isso também trata de esclarecer alguns conceitos como discurso, construção de sentido, e tipos de saberes.
O capítulo seguinte aborda a informação na mídia, a partir da noção de contrato de informação midiático. Esse contrato nada mais é do que a relação que se estabelece entre aquele que detém o saber (a mídia) e aquele que se supõe não detê-lo (o público). O contrato de informação midiático possuiria, assim, uma dupla finalidade: informação e captação. Através dele, não só se deve procurar informar as pessoas, como também requer que sejam adotadas estratégias discursivas para prender a atenção do espectador (captação).
As estratégias da enunciação midiática são apresentadas no quarto capítulo da obra. O trecho aborda as maneiras como a mídia produz o sentido, ressaltando o fato de que sempre se procede a uma seleção dos acontecimentos, e que a notícia seria na verdade um recorte da realidade, carregado de intencionalidades. Também é ressaltado o fato de que não existe um único “culpado” pela notícia, pois ela é produzida numa cadeia produtiva que envolve vários personagens, que vai desde o repórter que parte em busca da informação, ao editor final, passando pela diagramação e pela redação da reportagem.
O capítulo seguinte procura abordar os gêneros do discurso de informação, sob a perspectiva de gêneros e tipologias. O autor prefere adotar uma classificação a partir de três critérios, divididos em um eixo horizontal e um eixo vertical. No eixo horizontal situam-se os três tipos de acontecimentos que, segundo o autor, podem ser relatados na mídia: os acontecimentos comentados (como o editorial), os acontecimentos provocados (como os debates) e os acontecimentos relatados (como a reportagem). O eixo vertical é dividido conforme dois critérios: a posição do sujeito enunciador (se externo ou interno à instituição informativa) e o seu grau de engajamento com o que afirma (o que se traduz numa maior ou menor subjetividade do discurso produzido). O editorial, por exemplo, estaria situado numa posição de acontecimento comentado produzido pela própria mídia e com alto grau de engajamento. Já o debate seria um acontecimento provocado, com grau de engajamento médio e situado na zona de produto externo às mídias.
Por fim, o último capítulo faz um balanço crítico da teoria apresentada e das mídias em geral, partindo da análise da cobertura realizada pelas mídias no 11 de setembro de 2001. Para o autor, a ação manipuladora das mídias seria decorrente do fato de pressões externas e internas. As pressões internas levam o autor a concluir que a própria mídia por vezes acaba se automanipulando. Um desses casos de automanipulação ocorre, por exemplo, quando a mídia observa a concorrência (e procura apresentar os mesmos assuntos que os demais jornais, quando na verdade deveriam estar preocupados em mostrar um conteúdo diversificado).
A solução proposta pelo autor é a de que seria responsabilidade do cidadão lutar para que as mídias melhorem. A sociedade organizada teria um poder excepcional para batalhar por alternativas à padronização dos conteúdos e à homogeneização das formas de produção de sentido. Por fim, Charaudeau conclui que as mídias não constituem um poder em si. Entretanto, elas participam do jogo do poder, “mas somente na condição de lugar de saber e mediação social indispensável à constituição de uma consciência cidadã, o que não é pouco” (2006, p. 277).
Por tudo isso, trata-se de um livro indispensável para analistas do discurso que pretendem estudar/ter como objeto de estudo textos midiáticos (para que o façam com conhecimento de causa e com visão crítica), mas cuja leitura também se faz necessária por profissionais da comunicação, para que percebam o quanto poderão estar contribuindo para a manutenção do status quo midiático caso falhem em perceber o quanto o discurso que produzem através das mídias poderá influenciar as pessoas.

Referência:
CHARAUDEAU, Patrick. Discurso das Mídias. São Paulo: Contexto, 2006.

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