Filme: Um Crime de Mestre

No filme “Um Crime de Mestre” (Fracture, 2007), Hannibal, digo, Anthony Hopkins, interpreta Dr. Lecter, digo, Ted Crawford, um homem que descobre que sua mulher tem um amante. Para resolver o problema, Ted decide matar sua esposa quando ela chega em casa logo após ter se encontrado com o amante. Não, eu não estou estragando o final da história. Isso acontece logo nos primeiros 15 minutos de filme. O principal da história não é o tiro deferido contra a mulher, mas a tentativa de condenar Ted pelo crime.

Como em todo julgamento teatralizado norte-americano, há aspectos processuais penais interessantes que são destacados pelo filme. Primeiro, Ted abre mão de ser representado por advogado ou defensor público. Aparentemete, lá nos EUA isso é permitido. Mas não tente parecer cool fazendo isso no Brasil. Por aqui, só é permitida a auto-representação se a pessoa tiver número de registro na OAB. Ou seja, só pode abrir mão de constituir advogado ou de ser representado por defensor público quem já é advogado. Mas como lá isso é permitido, Ted vai em frente e tenta se defender sozinho.

O filme passa uma certa inquietação no telespectador, porque o tempo todo nós sabemos que Ted realmente deu um tiro em sua esposa (a cena é mostrada em todos os seus detalhes, e não há como contestar que foi ele mesmo quem atirou). Mesmo assim, aos poucos vamos percebendo a audácia dos planos de Ted. Seu objetivo é conseguir a absolvição a partir de aspectos meramente processuais: ninguém tem provas de que ele realmente atirou contra sua mulher, uma vez que a perícia constatou que o revólver encontrado na cena do crime não havia sido disparado em nenhum momento.

Inicialmente, a única prova que se tinha era uma confissão assinada por Ted a partir de um depoimento tomado logo após a chegada da polícia em sua residência. O detalhe é que o policial que atendeu a ocorrência era o amante da mulher de Ted (isso também é revelado nos primeiros minutos do fime; não estou estragando o final da história :P), o que abriu caminho para que Ted alegasse no julgamento que o depoimento fora tomado sob forte coação moral. Ora, uma prova tomada de forma coercitiva é considerada uma prova ilícita, e não é admitida em Direito (esse mesmo princípio é aplicado a escutas telefônicas não autorizadas pela Justiça). E, pela teoria da árvore dos frutos podres (fruits of a poisonous tree), uma prova ilícita contamina todas as demais, invalidando todo o argumento de defesa ou acusação que se baseie em tais provas. Assim, mesmo a prova mais cabal possível (a própria confissão do criminoso) não possui valor algum em termos processuais por ter sido obtida de forma inválida, o que praticamente inviabilizaria a condenação de Ted, pelo menos até que se encontrasse a verdadeira arma do crime, ou alguma outra prova igualmente eficaz.

Mas Willy Beachum (Ryan Gosling), o jovem promotor público designado para o caso, que tem um índice de 97% de condenações, não vai desistir enquanto não conseguir desvendar o mistério desse crime.

Outro aspecto processual penal ressaltado é a proibição de duplicidade de acusação (o que tem a ver com a teoria da coisa julgada) e a idéia de que não se pode modificar o ato jurídico perfeito e a coisa julgada, mesmo que elementos novos sejam descobertos depois. Em nome da segurança jurídica, o mesmo fato não pode ser julgado duas vezes. Mas melhor não entrar em detalhes, sob pena de, aí sim, estragar um dos aspectos mais interessantes do final do filme.

No mais, o Anthony Hopkins de “Um Crime de Mestre” é quase um Hannibal. Exceto pelo fato de que Ted não tenta comer o cérebro da própria esposa (praticamente um Hannibal sem carnificina).

* em cartaz até terça-feira, 10/07, no Cineart, em Pelotas

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3 thoughts on “Filme: Um Crime de Mestre

  1. Pooo Gabi, faltou citar a maravilhosa companheira de sessão, e seus ataques toda vez que nosso querido promotor aparecia :)Um filme que eu não esperava muito. O roteiro me surpreeendeu.

  2. Claro, claro. Detalhe importantíssimo. Como é que fui esquecer de falar logo isso? 😛 hehePois é, a história também me surpreendeu.

  3. Ahhhh!!!Uma notícia boa sobre cinema finalmente! Estou feliz por Hannibal estar “de volta”, ainda que em outro filme, com outra estória e nome diferente =) e acredito que só dessa forma mesmo, pq a tentativa de aproveitar o sucesso da trilogia em Hannibal Rising não foi lá aquelas coisas.. em verdade, um fracasso.Quero muuuuuuito assistir esse filme, e agora com certeza irei mais animada!o/

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