Category Archives: direito

Direito pode ser divertido

Duas dicas para entender os conceitos de copyright e fair use:

A parte interessante é que ambos os trabalhos estão disponibilizados sob a licença Creative Commons (para entender o que isso significa, veja esta animação), o que permite um uso não comercial dos trabalhos. A história em quadrinhos pode ainda ser remixada e traduzida – ela é inclusive disponibilizada em páginas separadas, para facilitar eventuais adaptações. Em termos práticos, isso significa que, dentre outras inumeras possibilidades, dá para não só traduzir o trabalho, como também adaptá-lo para as regras vigentes no ordenamento jurídico brasileiro.
Via Marcel Leonardi (aqui e aqui).

Assunto paralelo: (ou não tão paralelo assim) — navegando pela blogosfera jurídica, descobri, via Argumentandum, que o Damásio de Jesus (quem transita pelo mundo do Direito com certeza sabe de quem estou falando) tem um blog. E, não apenas isso, em seu blog é possível acompanhar a história em quadrinhos “Super-Damasino“, com episódios novos toda segunda-feira. Super-Damasino é um super-herói que esclarece as dúvidas de um estudante chamado Data Vênia (“com a devida licença”, em juridiquês arcaico-romano latim). A história tem como público-alvo estudantes de Direito.

Pelo direito de ouvir músicas de um CD em um iPod

Fica difícil conseguir escutar música legalizada quando não se pode nem ao menos passar para mp3 as músicas que vieram no CD original que você comprou. No Reino Unido é assim. Vigora por lá um monstrengo legislativo, segundo o qual não é permitido fazer nada além de ouvir em um CD Player as músicas dos CDs que você compra legalmente. Qualquer outro ato, mesmo que para uso pessoal, seria considerado pirataria. Após muita reclamação e discussão (falava-se em um “direito legal à cópia privada”), isso poderá mudar.
O ministro de propriedade intelectual do Reino Unido, Lord Triesman, anunciou uma possível mudança nas regras, que poderia tornar a troca do formato das músicas uma permissão legalizada, desde que realizada apenas para uso privado. Claro que já surgiram questões como “o que seria, exatamente, um uso privado?”, além de gente descontente com a possibilidade de implementação da medida – ora, os músicos prefeririam que fosse preciso pagar novamente pela música para se poder ouvi-la em outros formatos. Mas com certeza já é algum avanço. De qualquer modo, não faz sentido manter em vigor uma lei que 55% das pessoas não respeitam.
As controvérsias musicais também andam em alta nos Estados Unidos. Por lá, a RIAA tem sido motivo de piada pela série de decisões desfavoráveis ao pessoal que compartilha músicas pela Internet. Já teve gente condenada por baixar músicas no KaZaA, e recentemente a possibilidade de passar para mp3 músicas adquiridas em um CD legalizado foi questionada em um artigo do Washington Post (que, posteriormente, foi corrigido, e teve sua correção questionada pelo blog Threat Level da Wired). No site da Associação, consta a afirmação de que, “If you make unauthorized copies of copyrighted music recordings, you’re stealing. You’re breaking the law, and you could be held legally liable for thousands of dollars in damages” (para quem se interessar por acompanhar as decisões nem sempre acertadas da RIAA, há o blog Recording Industry vs The People).
Talvez seja hora de rever os limites das legislações que protegem as músicas. É possível adquirir músicas (e outros produtos) de forma apenas legalizada, sim. Mas medidas retrógradas como impedir de ouvir em um iPod as músicas que vieram em um CD apenas estimulam as pessoas a optarem cada vez mais pelo caminho da pirataria.
Via Mashable (via shared items do Tiagón).

Em tempo: nossa Lei de Direitos Autorais também não é um primor legislativo. Mas, pelo visto, não são só os legisladores brasileiros que são dinossáuricos…
No Brasil, a entidade que regula os direitos autorais da produção musical é a APCM, Associação Anti-pirataria de Cinema e Música. A Associação foi criada em meados de 2007. Antes disso, no finalzinho de 2006, os brasileiros tiveram de enfrentar a discussão da pirataria na disponibilização de legendas de seriados e filmes – os sites LostBrasil e Legendaz foram processados por pirataria pela então ADEPI (posteriormente fundida, juntamente com a APDIF, na APCM). No site da APCM, é possível conferir a posição da Associação quanto às legendas: “a confecção de legendas e sua disponibilização para download constitui violação de direitos autorais e, como tal, deve ser reprimida, o mesmo ocorrendo com a dublagem”.

A fumaça do bom direito

A fumaça do bom direito (mais conhecida nos livros jurídicos pela tosca expressão latina ‘fumus boni iuris’) é a fumacinha que sai de nossa cabeça quando nos deparamos com juridiquês excessivo um termo jurídico absurdo utilizado para quando há fortes indícios de que se tem um determinado direito alegado, mas cuja situação de fato ainda precisa ser comprovada (mais ou menos dentro do princípio de que onde há fumaça, pode ser que haja fogo). Nos casos de antecipação de tutela [breve explicação: quando se tem fortes motivos para querer que uma decisão seja dada, em caráter provisório, antes do fim do processo, sob pena de o processo em si ser ineficaz/inútil], a fumaça do bom direito aparece como requisito, ao lado do perigo da mora [ou o risco que se pode ter com a demora na satisfação da pretensão].
Assim como nem sempre uma fumaça indica a existência de fogo, a fumaça do bom direito é apenas um indício de que existe o direito. Basta que o direito seja, à primeira vista, verossímil, a partir da apresentação de indícios de que se deve ter acolhida a tutela pretendida, para que o requisito seja preenchido.
Mesmo que a existência da fumaça do bom direito tenha lá seu fundamento para o mundo jurídico, nada me tira da cabeça que essa expressão soa completamente não jurídica. (Fumaça? Bom direito?)

Absurdos do judiciário brasileiro

O deputado estadual Fernando Capez (PSDB-SP, ex-promotor de justiça, e autor de uma dezena de livros nas áreas de direito penal e direito desportivo – e sim, eu tenho um livro dele em casa) iniciou um processo contra o jornalista e blogueiro Juca Kfouri (não consigo ler o nome dele sem imediatamente associar à clássica piadinha sem graça com o nome de pessoas famosas). A idéia era impedir que Kfouri viesse a furar [desculpem, não resisti] “ofendê-lo” novamente em seu blog. No final de outubro, a juíza Tônia Yuka Kôroko, da 13ª Vara Cível da Comarca da Capital de São Paulo, decidiu, em caráter liminar, que qualquer ofensa que Kfouri viesse a fazer contra Capez a partir daquele momento seria punida com uma multa de 50 mil reais. Kfouri recorreu, mas o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo manteve a decisão em segunda instância. Na última quinta-feira (20/12), a defesa do jornalista entrou com um mandado de segurança* contra o que considera uma decisão que fere a liberdade de expressão do jornalista. Sim, porque estipular uma multa para uma possível ofensa futura é o mesmo que voltarmos aos tempos da ditadura e revivermos os momentos da censura prévia. Em um blog!
E qual foi o crime horrendo e tenebroso cometido por Juca Kfouri e que justificaria o caráter liminar da medida? Kfouri teria dito em seu blog que Capez elegeu-se deputado por conta da notoriedade alcançada a partir do fracasso no combate à violência das torcidas organizadas na época em que ainda era promotor. Em outra oportunidade, o jornalista também teria afirmado que o curso de Direito então dirigido por Capez obteve nota baixa nas avaliações do MEC e da OAB. Os dois fatos realmente aconteceram. Alguém consegue identificar onde está a tal “ofensa”?
Em nota, a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) se manifesta dizendo que “a decisão da Juíza Kôroko prima pelo subjetivismo e se baseia num pressuposto que pretende conferir à sua autora poderes de adivinho, por classificar de ofensa aquilo que o jornalista José Carlos Kfouri ainda não escreveu. No caso, estamos diante não de uma decisão judicial, mas de manifestação de uma pitonisa. Ainda segundo a ABI, a decisão fere a Constituição Federal, em seu artigo 220, que veda “toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística”.

Leia mais sobre o caso n’O Biscoito Fino e a Massa, que convida a espalhar por aí as duas “ofensas” que motivaram Capez a iniciar o processo.

* Mandado de segurança é uma ação constitucional que tem por objetivo proteger “direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, sempre que, ilegalmente ou com abuso de poder, alguém sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça” (art. 1° da Lei n° 1.533/51). Direito ‘líquido e certo’ é aquele que tem existência manifesta, sem deixar margem a dúvidas. É um direito bem delimitado e passível de ser exercido desde logo. Por conta disso, um dos requisitos do mandado de segurança é que os documentos que provam a existência do direito que se quer proteger já sejam apresentados junto com a petição inicial da ação.

Tomei conhecimento do caso a partir de uma sugestão do Sérgio.

Os dez processos judiciais mais procurados no Google em 2007

Processos judiciais (lawsuits) mais pesquisados no Google neste ano, segundo o Google Zeitgeist 2007:
1. Caso Borat – diz respeito a dois estudantes norte-americanos que resolveram processar a produtora do filme Borat por fraude. Eles aparecem bêbados no filme, e alegaram que só autorizaram a filmagem porque achavam que o filme seria exibido apenas na Europa.
2. Caso Vonage – Maior empresa de telefonia VoIP dos EUA, a Vonage perdeu ações judiciais de ‘quebra de patente’ contra as empresas Verizon e Sprint.
3. Caso iPhone – pelo menos dois compradores do iPhone processaram a Apple por questões ligadas à bateria do produto: pelo fato de a bateria do telefone ter curta duração, e isso não ter ficado claro na divulgação do produto, e também em busca de esclarecimentos sobre o procedimento de substituição de bateria. Mais recentemente, na Europa, foi iniciado um processo para tentar impedir o monopólio das vendas de iPhone na Alemanha.
4. Caso Facebook(por enquanto) as disputas judiciais envolvendo o Facebook dizem respeito a quem teria sido o verdadeiro ‘pai’ da rede social. Três jovens que fundaram a rede ConnectU alegam que o Facebook seria uma cópia do portal lançado por eles dois meses depois do Facebook. Já o jovem Aaron J. Greenspan alega que, antes mesmo da criação do Facebook, ele teria lançado o projeto FaceNet. Informações sobre os desdobramentos dos dois processos podem ser encontradas na Wikipedia.
5. Caso Jamie Gold – Em 2006, Jamie Gold ganhou 12 milhões de dólares em um torneio de Poker. Um executivo de televisão alega que Gold teria prometido a ele metade do valor caso ganhasse. A ação judicial discute a existência ou não de tal acordo.
6. Caso Pants – o americano Roy Pearson processou a lavanderia da sua vizinhança pedindo 54 milhões de dólares de indenização por conta de uma calça jeans perdida. Não levou nada, óbvio. Mas isso não impediu que o fato fosse ridicularizado pela mídia.
7. Caso McDonalds – a rede de lanches fast food se envolve em tantos processos, que fica difícil de saber qual o que foi procurado por tanta gente em 2007. O caso mais clássico data de 1994, em que uma consumidora recebeu 2,9 milhões de dólares após ter se queimado com café quente demais (sim, bizarro ao extremo). A Wikipedia traz uma síntese de todos os casos.
No Brasil, no ano passado, foi decidida a possibilidade de venda do brinquedo separado do McLanche Feliz.
8. Caso Paxil – uma ação judicial obrigou a empresa fabricante do remédio Paxil (SmithKline Beecham) a devolver o valor gasto com a compra de Paxil para crianças. A alegação era de que a empresa sabia que o remédio era perigoso e ineficaz quando ministrado a menores de 18 anos.
9. Caso RIAA – referente a processos iniciados pela RIAA (Recording Industry Association of America) contra o compartilhamento ilegal de músicas pela Internet. Em 2007, a americana Jammie Thomas foi condenada a pagar 220 mil dólares por compartilhar 24 músicas através do KaZaA.
10. Caso Dell – em 2007, a Dell enfrentou vários processos judiciais. Em janeiro, acionistas da empresa acusaram Dell e Intel de conspiração. Em fevereiro, funcionários norte-americanos da empresa processaram a Dell por questões trabalhistas. Em maio, Andrew Cuomo, advogado de New York, iniciou um processo contra a Dell, acusando-a de fazer falsas promessas a seus consumidores.

Hábitos de consumo mundial
Se a gente fosse se basear apenas nos termos mais procurados do Google em 2007, no mundo todo, a série mais popular é Heroes, o filme mais assistido do ano foi Transformers, a música do ano é Umbrella (Rihanna), o fato que mais virou notícia foi American Idol, o candidato mais procurado foi Ron Paul, a morte mais comentada foi a de Anna Nicole Smith, o ringtone mais baixado foi mosquito, a receita mais pesquisada foi master cleanse, a dieta weight watchers foi a mais popular, e para entrar em forma, o pessoal optou por pilates. As pessoas querem saber quem é deus, o que é o amor, e como se beija. Mais sobre as buscas de 2007 no Google Zeitgeist.

Assunto paralelo: blogs também serão afetados? Estamos virando uma França?

Recursos para todos os gostos

Não gostou de uma decisão? Em matéria processual, há várias maneiras de se atacar decisões de que não se gosta.

Para começar, há o agravo. O agravo é para quando você não gosta de decisões tomadas ao longo do processo, mas que ainda não sejam a decisão definitiva (– a sentença). Em regra, o agravo fica retido nos autos até que a sentença seja proferida. Aí a pessoa precisa apelar da sentença, e, na apelação, manifestar a vontade de que o agravo seja apreciado. Mas mesmo que o agravo só vá ser apreciado após a sentença, é fundamental que a indignação com a decisão fique registrada logo após a decisão que se quer atacar – isso evita que o direito de recorrer dessa decisão preclua (a preclusão merece um post à parte) e ela transite em julgado. Dependendo do caso, também dá para promover um agravo de instrumento, o que faz com que o agravo seja apreciado pela instância superior ao mesmo tempo em que o processo em si segue tramitando no juízo original. Os motivos que justificam que o agravo seja apreciado desde logo são indícios de que se tem o direito alegado (ou a “fumaça do bom direito” – existe termo mais bizarro que esse?) e o perigo decorrente da mora.

Além do agravo, há a apelação. A apelação é o recurso principal para manifestar a não concordância com o resultado de sentenças de mérito – tipo quando o juiz decide um determinado caso, resolvendo quem tem razão e quem não tem. A apelação é dirigida para um grau superior na escala hierárquica do Judiciário. As decisões em segundo grau formam jurisprudência.

Há outros recursos no sistema recursal brasileiro, como os embargos de declaração, cujo objetivo é pedir para o juiz esclarecer/explicar algum ponto obscuro ou omisso em sua sentença, e os embargos infringentes, que cabem sobre acórdãos não unânimes que modificam sentenças de mérito [sorry pelo juridiquês exagerado aqui no finalzinho da frase; não resisti].

Aplicações na vida prática:

Agravo – você e um grupo de amigos estão decidindo o local onde irão jantar na próxima sexta-feira. Não se tem ainda a certeza do lugar, mas uma parte do grupo já decidiu, sem que você pudesse se manifestar, que o prato será pizza. Você não quer pizza. O que fazer? Agrave – e por instrumento, porque há risco na mora (já é quinta-feira!)!

Apelação – o pessoal já decidiu que será pizza e que o jantar será na Pizzaria Tal. Você não quer, de jeito nenhum, e acha injusto que tenham decidido sem consultá-lo. O que fazer? Apele!

Embargos de declaração – você não entendeu direito se vão comer pizza ou calzone lá na Pizzaria. O pessoal trocou tanto de opinião que não ficou claro. Aí você pode pedir para eles mesmos (ou seja, para o mesmo órgão que proferiu a decisão) esclarecerem a decisão, via embargos de declaração.

Embargos infringentes – alguns decidiram em nome de todos. Metade quer ir para um lugar, metade quer ir em outro. Como resolver? Convoque todos para, juntos, decidir aonde todo mundo vai. O que o grupo todo decidir irá substituir a decisão proferida anteriormente por poucos.

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Auto-acusação falsa

O Código Penal, em seu artigo 341, refere-se ao crime de auto-acusação falsa. Esse delito acontece quando o indivíduo acusa-se de ter cometido um crime que não cometeu (ou porque outra pessoa o fez, ou porque o crime nunca existiu). Como conseqüência, quem se auto-acusa falsamente pode receber pena de prisão, ou multa.

Mas e por que alguém seria tão torpe ao ponto de se auto-denunciar por um crime, sem ter cometido crime algum? Apesar de parecer absurda, a previsão desse crime tem lá seu fundamento – o delito está situado no capítulo referente aos crimes contra a administração da Justiça. A intenção é punir aqueles que retardam o andamento de julgamentos com óbices desnecessários. Um exemplo disso seria se alguém viesse diante da autoridade judiciária ou policial para dizer que cometeu um determinado delito que não cometeu, ou que jamais foi cometido, para desviar a atenção das investigações, e deixar a polícia e o Judiciário ainda mais distante de descobrir a verdadeira autoria do crime (ou algum outro crime que porventura realmente tenha sido cometido pela própria pessoa que se auto-denuncia, mas que se pretendia acobertar com a auto-acusação falsa).

E sim, isso acontece na prática. Como exemplo, veja esta notícia, um release com excesso de juridiquês, mas que permite entender melhor o que é a tal da auto-acusação falsa. Este outro link traz uma auto-acusação falsa ainda mais bizarra – o bandido queria parecer mais perigoso do que realmente era.

Também pode ocorrer denunciação caluniosa, que é quando você quer sacanear aquele indivíduo chato que tirou sarro da sua cara a infância inteira e resolve denunciá-lo como autor de um crime nunca ocorrido, ou cometido por outrem.

Em tempo: os releases policiais são todos assim tão toscos? 😛

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Prevaricação

Simplificando ao máximo, prevaricação é quando você usa o Orkut durante o horário de trabalho, ao invés de trabalhar.

De acordo com o Código Penal, prevaricação é “retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal” (art. 319). Como punição, o prevaricador pode receber pena de detenção de três meses a um ano, e multa.

Ou seja, se você passa horas no computador da repartição bisbilhotando a vida alheia no Orkut (pô, logo Orkut!), e, com isso, deixa de fazer algumas das atividades pelas quais o poder público lhe paga todo mês, você está cometendo um crime. E pode ser preso por isso.

Na verdade, a razão de ser desse crime é a de punir outras condutas bem mais malévolas, de quando um funcionário público falta com o cumprimento de um dever, ou então abusa no exercício de suas funções. Tipo quando um funcionário do cartório deixa de cumprir um prazo processual porque ficou tempo demais fazendo outras coisas que para ele pareciam mais importantes, como visitar perfis do Orkut, ler e responder e-mails, ou divertir-se em joguinhos online (okay, essa conduta não é tão malévola; mas causa prejuízo ao particular, na medida em que o funcionário público que deveria ter feito um determinado ato não o fez, para satisfazer interesses pessoais; embora seja discutível que o mero comodismo seja suficiente para preencher o elemento subjetivo da prevaricação).

Dentro da turminha dos crimes contra a administração pública (e que, portanto, só podem ser cometidos por funcionários públicos, embora se admita concurso de agentes entre funcionário e não funcionário), há outros crimes de nomes bizarros, como peculato (apropriar-se de um bem público – tipo, levar o computador do escritório pra casa) e concussão (exigir vantagem indevida – tipo, pedir uns trocados por fora para fazer uma tarefa que de qualquer modo deveria ser feita).

Aplicações na vida prática:

– Pare de prevaricar e vá logo estudar!

– Prevariquei demais e não fiz o trabalho de Geografia; como resultado, fiquei com zero.

E ao invés de estudar, estou aqui, prevaricando…

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O mundo jurídico

No universo, existem dois mundos: o mundo dos fatos e o mundo jurídico. O mundo dos fatos é aquele que vivenciamos em nossa dia-a-dia. É um mundo cheio de descobertas, conversas, sonhos e interações sociais. O mundo dos fatos é um mundo despretensioso. Já o mundo jurídico é aquele que contempla fatos de relevância jurídica. Excessivamente convencional, este mundo é regido por rígidas regras e padrões de conduta. Sob a ótica do mundo dos fatos, alguém morrer é uma tragédia. Para o mundo jurídico, a morte de alguém é apenas o início de uma nova relação jurídica (simbolizada pelo início da partilha).

Entrar no mundo jurídico é o que ocorre quando um simples fato se transforma em um fato jurídico. O fato jurídico é um fato superpoderoso, de especial interesse para o Direito. A gente pode passar uma vida toda sem perceber que existe o mundo jurídico. Mas, mesmo assim, ele está o tempo todo pairando sobre nós. (Tipo uma noosfera.) Mesmo nas mais simples das relações sociais, o mundo jurídico está lá presente, sorrateiramente. Imagine uma criança indo comprar um chiclete no bar da esquina. Esse ato pertence ao mundo dos fatos, é verdade. Mas também pertence ao mundo jurídico, na medida em que se estabelece um contrato jurídico tácito e consensual entre as partes: a criança entrega o preço e recebe em troca o produto. Claro que essa compra não tem a mínima relevância para o Direito – até pelo valor irrisório do produto. Mas digamos que o dinheiro usado para a compra do chiclete tenha sido uma nota falsa. Aí a simples compra alçará o fato para a categoria de superfato, e este entrará para o mundo jurídico.

Nem todos os bens são juridicamente protegidos. Como conseqüência, nem tudo está no mundo jurídico. Mas é interessante notar que algumas coisas podem pertencer a dois mundos simultaneamente. E por vezes a lei pode obrigar certas coisas a ingressarem, forçosamente, no mundo jurídico.

Post em homenagem ao professor de Direito Civil, que vive falando que as coisas “entram no mundo jurídico”, e nos faz pensar se esse mundo realmente existe (tem pessoas diferentes vivendo por lá? há juízes por todos os lados? a Lei é a rainha?).

O terceiro de boa-fé

O terceiro de boa-fé é um ser assexuado, casto, puro, incorruptível e cheio de boas intenções, mas que, apesar disso, se envolve sem querer em ilícitos penais ou cíveis praticados por outros (o primeiro e o segundo, também conhecidos nos livros jurídicos por “A” e “B”, ou “agente” e “vítima”, em matéria penal, e “credor” e “devedor”, em termos de obrigações cíveis). O terceiro de boa-fé nunca sabe de nada (não confundir com o homem médio, até porque nada impede que o homem médio aja de má-fé). Por conta disso, a lei lhe garante algumas prerrogativas. Mas só porque, tadinho, o terceiro de boa-fé não tem culpa das atrocidades cometidas pelo primeiro e pelo segundo…

Ele já foi visto perambulando por aí em diversas legislações. O terceiro de boa-fé é figura recorrente no Código Civil e no Código Penal, como no crime de receptação:

Art. 180. Adquirir, receber, transportar, conduzir ou ocultar, em proveito próprio ou alheio, coisa que sabe ser produto de crime, ou influir para que terceiro, de boa-fé, a adquira, receba ou oculte:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

e nas disposições relativas à sucessão hereditária:

Art. 1.817. São válidas as alienações onerosas de bens hereditários a terceiros de boa-fé, e os atos de administração legalmente praticados pelo herdeiro, antes da sentença de exclusão; mas aos herdeiros subsiste, quando prejudicados, o direito de demandar-lhe perdas e danos.

Aplicações na vida cotidiana:

– Ele até pode parecer um terceiro de boa-fé, mas sei bem que o Júlio tem interesse nessa história

– Perdoem o Caio. Ele agiu como um terceiro de boa-fé ao perguntar à Maria sobre o João, pois não sabia que os dois haviam terminado o namoro.

– Não fica te fazendo de terceiro de boa-fé, que sei bem as tuas intenções ao entrar nesta conversa.

Veja também: turbação, imputação, e outros termos jurídicos absurdos.

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