Category Archives: querido diário

Sentimento de pertença a um lugar

Em nosso dia-a-dia conturbado, por mais que a gente passe o tempo inteiro viajando, por mais que se fique alternando entre um lugar e outro, e por mais que os lugares pareçam todos iguais, há sempre um lugar que podemos chamar de “nosso lugar”. É aquele espaço ou ambiente para o qual sempre queremos voltar, não importa onde estejamos. É o lugar que consideramos como nosso “lar’.
Os navegadores de Internet – e muitas páginas da web – também se utilizam dessa metáfora, ao estabelecer como “Home” um lugar previamente definido por nós (no caso dos navegadores) ou pela organização (no caso dos sites). Supõe-se que o Home seja um lugar que nos agrade tanto que queiramos sempre voltar para lá.
Supostamente, o lugar de nossas origens, onde plantamos nossas raízes, deveria ser o lugar para onde sempre queremos voltar. Deveria. De tanto que passo o ano alternando entre duas cidades, cheguei a um ponto que já acho que não pertenço a lugar algum. Circulei pelas ruas de Bagé esta semana, e não encontrei sequer um rosto familiar. Os lugares já não são os mesmos, as pessoas já não são as mesmas, tudo é diferente, embora tudo permaneça igual. Até em casa da minha família – a mesma casa de antes – já não me parece um lar. Meu antigo quarto virou um lugar um tanto cavernoso, frio, inóspito. As paredes seguem no tom azul desmaiado – mas ao invés de acolhedoras, parecem que vão me sufocar. As camas são as mesmas, apesar de estarem em outra posição. Mas não são as minhas coisas que estão sobre a escrivaninha. Não são meus os livros que estão na estante. Aquele lugar não pertence mais a mim, não é mais meu lugar.

Crise existencial suscitada por um formulário bobo de cadastro em um site. Lá tem o campo “Cidade”. Como preencher? De que cidade eu sou? Vale onde nasci, onde estou, ou onde passo a maior parte do ano?

Update 10/12 – o Sérgio fez uma análise interessante via comentário: “Ou ainda pode ser fruto desse fenômeno que a psiquiatria moderna insiste em não analisar a depressão pós ano letivo.

Brasil Telecom: o pior atendimento do mundo

Estamos sem conexão à Internet aqui em casa (em Bagé) há cinco dias. A saga começou na quarta-feira. Impossibilitados de conectar desde a terça-feira, telefonamos para o serviço de atendimento da Brasil Telecom, para tentar saber se o problema era com eles ou no computador de casa. Pelo telefone, informaram que os fios de conexão haviam sido furtados, mas que o problema seria resolvido até o dia seguinte (quinta-feira, feriado da Proclamação da República).

Na quinta-feira, a conexão seguiu não funcionando. Decidimos esperar até sexta, após o feriado, para telefonar novamente.

Sexta-feira

Na sexta-feira, após esperar quase duas horas para sermos atendidos (e muita musiquinha, propaganda institucional, e mensagens de falsa esperança do tipo “Aguarde. Em breve, você será atendido”), a atendente, Elane sem sobrenome (ela se recusou a dizer o nome completo) disse que poderia mandar um técnico para resolver o problema no dia seguinte. Ela argumentou que o problema nos cabos já havia sido resolvido (mas então por que a Internet continuava sem funcionar??). Reclamamos, insistimos que queríamos atendimento no mesmo dia (já que desde terça estávamos sem Internet), e, enquanto falávamos, a atendente “supersimpática” colocou o telefone no mudo. Algum tempo depois, ela voltou para perguntar “Pronto. Já terminou?” (ou seja, a moça não teve paciência nem de ouvir a reclamação – então por que raios foi procurar emprego em um serviço de telemarketing???). De qualquer modo, ficou registrado o número do atendimento, e a promessa de que em até 24 horas o problema estaria resolvido.

Ainda na sexta-feira, no final da tarde, um rapaz, que se identificou como Gabriel, técnico de informática da Brasil Telecom, telefonou aqui para casa. Ele queria a todo custo nos convencer de que o problema era no computador, e, por isso, foi solicitando que mudássemos as conexões, desligássemos todos os telefones, e mexêssemos nas configurações da Internet. Ele também subestimou a minha capacidade ao extremo. Primeiro, ele pediu para entrar no cmd para digitar um comando. Digitei o comando, deu uma mensagem de erro, e li para ele a mensagem. Ele disse para digitar novamente, fiz isso, e veio a mesma mensagem (!!). Aí ele me acusou de estar digitando errado, e começou a soletrar, pausadamente, como se se dirigisse a uma criança de 3 anos de idade, letra por letra do que deveria ser digitado. Antes que eu xingasse o coitado e mandasse ele para a Lua, meu pai assumiu o telefone e voltou a insistir na necessidade da presença física de um técnico, porque do jeito que a coisa estava, apenas desconfiguraríamos o computador, e nos afastaríamos ainda mais da solução do problema.

Por fim, o tal do Gabriel disse que um técnico (real, de carne e osso, e não uma voz entediada ao telefone) viria no dia seguinte – mas fez questão de dar ênfase ao fato de que, se o problema não fosse na conexão em si e sim no computador, eles nos cobrariam pelo serviço (sim, depois que o técnico por telefone nos fez mudar todas as configurações do computador, é bem provável que o problema agora seja, também, no próprio computador!).

Sábado

Esperamos pacientemente até o vencimento do horário da primeira solicitação da vinda do técnico. Até ligamos para o atendimento pelo telefone antes do término do prazo, e uma mensagem gravada afirmava que o problema seria resolvido até meio dia (24 horas após a solicitação feita com a simpaticíssima Elane). Tendo passado o prazo sem nenhuma resolução do problema, ligamos novamente para o suporte. Uma hora esperando atendimento (com direito a anúncios gravados do tipo “passe o dia inteiro na Internet com BRTurbo”), e uma moça de nome “Quênia” (sic?) nos atendeu. Ela disse que poderia solicitar a vinda de um novo técnico para o dia seguinte, já que havia expirado o prazo da solicitação anterior (COMO ASSIM???). E não adiantou dizer que a gente já tinha esperado 24h. Ela ainda disse que, para o mesmo dia, tudo o que poderia fazer era pedir para um técnico entrar em contato pelo telefone (outra criatura com nome de anjo para tirar sarro da nossa capacidade intelectual???).

Chegamos a perguntar o que era preciso ser feito para cancelar o serviço de ADSL, ou então como fazer para conectar com discada (queríamos um número para conectar, pelo menos). Quanto à primeira pergunta, a moça se limitou a dizer que o serviço só pode ser cancelado “De segunda a sexta, em horário comercial” (??). Quanto à segunda pergunta, ela nos mandou ligar para outro número de suporte Brasil Telecom. Uma hora de espera com musiquinha no telefone, e desistimos.

Estamos agora conectados em um cybercafé, e, obviamente, mandaremos a conta para a Brasil Telecom.

E amanhã, domingo, vence o novo prazo para vir um técnico da Brasil Telecom para resolver o problema. Aposto que não virá, ligaremos no domingo, e empurrarão o problema para segunda – e o ciclo se repetirá ad infinitum.

Estamos sem Internet há 95 horas, 43 minutos e 17 segundos. And couting…

Update, 18/11 — hoje, domingo, finalmente um técnico de carne e osso esteve aqui em casa. O problema foi resolvido em pouco tempo. Parece que o que aconteceu foi uma sucessão bizarra de acontecimentos – a falta de fios (se é que houve; veja explicação adiante) fez com que o modem do nosso computador parasse de responder (e continuasse assim, mesmo com o retorno da conexão). O técnico de nome de anjo que ligou aqui para casa na sexta-feira contribuiu para que terminássemos de desconfigurar completamente a conexão. Bastou reiniciar o modem (introduzindo um arame no buraco de reinicialização) para que o aparelho voltasse a funcionar (e por que não nos disseram sobre essa possibilidade por telefone, então?). Depois, foi preciso reconfigurar os endereços de IP e DNS (o tal do Gabriel tinha feito com que bagunçássemos tudo).

Quanto ao suposto furto de fios, de acordo com o técnico que esteve aqui, isso tem cara de desculpa esfarrapada dada pelo serviço de atendimento pelo telefone para se livrar de clientes insistentes (o que só corrobora com a idéia de que eles oferecem o pior serviço de atendimento do mundo — pelo menos por telefone).

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Metas para os próximos dias

– Parar o tempo e/ou fazer com que os dias tenham mais horas.
– Adquirir o dom da onipresença.
– Resistir à tentação de assinalar “mark all as read” nos mais de mil feeds atrasados no Google Reader.
– Começar e terminar de escrever um livro.
– Voar ou teletransportar-se de um lugar a outro (perder tempo com deslocamento é para os fracos).
– Ler dez livros ao mesmo tempo e colocar lista de leituras em dia.

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Relativamente em dia

Resolvi tirar o fim de semana para colocar em dia tudo o que estava pendente em termos de faculdades. Fiz duas peças, redigi dois textos, rascunhei um projeto, li o que precisava ler, preparei uma apresentação, enviei trocentos e-mails, e estou pronta para mais uma semana de aulas.

Em contrapartida, vida social em declínio, blog às moscas, leituras furtivas mais-que-atrasadas, e quarto na maior bagunça. Bagunçada também está minha área de trabalho no PC. Vou salvando todos os arquivos por lá, e depois preciso encontrar tempo paciência para distribuí-los em felizes pastinhas hierarquizadas.

Paradoxo existencial: é impossível dar conta de tudo.

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O mundo é de quem fazia

Lembram do tempo em que criar uma página no hpG era de graça? Lembram do tempo em que o IG se chamava Internet Grátis, e disponibilizava um horrendo serviço de e-mail (o ieG – Internet e-mail Grátis), além de espaço gratuito para construir sites? Não tenho o direito de reclamar, porque aproveitei ao máximo minha fase de inspirações criativas em ebulição. Criei muitas páginas no tempo em que o hpG ainda era grátis (ainda é; há uma versão, limitada a 5Mb e ao uso do FTP pela web, para quem quiser criar uma página totalmente web 1.0 e sem graça) e em outros serviços gratuitos de hospedagem. Muitas delas já se perderam pelo caminho. Outras tantas ainda estão no ar. A web 1.0 pode até parecer sem graça… mas ela permitia dar vazão a uma excessiva criatividade. Aprender a se destacar era essencial.

A página da minha turma de 7ª série do Ensino Fundamental (!), criada no Geocities (ainda no tempo em que os endereços eram baseados em regiões geográficas reais), gerou uma grande confusão, e tivemos que remover boa parte do conteúdo porque a bibliotecária-barra-professora de Ciências – que tinha acesso diário à Internet – visitou a página um belo dia e percebeu que tínhamos uma coluna para falar mal dos professores. As críticas rolaram soltas pela instituição, e antes que alguém pudesse nos processar por injúria ou difamação expulsar da escola, tiramos a página sobre os professores do ar. Algum tempo depois, a diretora da escola nos chamou para fazermos sugestões de como reformular a página da escola – depois que ela constatou que a “página da turma 171” fazia mais sucesso que o próprio site da escola. O motivo? Tínhamos até bate-papo! Em 1999, bate-papos como o do UOL e do Terra eram os lugares mais freqüentados da Internet. Forçando um pouco a barra, ter um site com bate-papo era o mesmo que seguir as tendências da Web 2.0 hoje em dia…

Também criei muitas páginas no hpG… Principalmente sobre seriados. Meu tosco site de Gilmore Girls continua no ar até hoje – ele foi estranhamente recolocado em um novo diretório dentro do mesmo servidor, ganhou um novo endereço, mas segue no ar. Meio capengo, mas continua lá. Para um site que já teve mais de mil visitas diárias, a modesta média de 50 por dia deixa muito a desejar. Mas considerando que a página não recebe nenhuma grande atualização desde 2004… 50 visitas por dia para um site deixado às moscas, em um endereço obscuro, de um fan site sobre uma série que já acabou, é um índice relativamente elevado.

Conheci muita gente através do site de Gilmore Girls. E o site também foi fundamental para que eu viesse a optar, anos depois, pelo curso de Jornalismo.

Mas meu fanatismo por Gilmore Girls não rendeu apenas um site. Cheguei ao extremo de fazer um segundo site sobre a série, em inglês (e que está no ar até hoje, mesmo com todos os terríveis erros de gramática, ortografia, regência e concordância) e assinar com o nome do cachorro (Lia Z.!), só para poder concorrer duas vezes a um “prêmio” para fan sites sobre seriados. E o mais bizarro de tudo – ganhei com o site fake e perdi com o original.

Eu era uma fã tão estranha de seriados que não me contentava em ter um único site sobre cada série – tinha vários. Só de Friends eram três. O Explosão Friends (?) ainda está no ar [reparem no aviso de ‘melhor visualizado com Explorer 4 ou superior’]. O Clube Friends era o mais forte – junto a ele eu também administrava uma lista de discussões por e-mail sobre a série. Mas não tinha paciência de acompanhar as discussões (fazia parte do fato de contar com conexão discada, limitada a 20 horas mensais), e em seguida a lista começou a despencar. Depois ela foi assumida pela equipe do Friends-Brasil.com (que já não existe mais, por sinal). A lista de Gilmore Girls sobreviveu apenas até o começo deste ano.

Fiz páginas sobre outros seriados. Charmed, Mad About You, The Drew Carey Show, Party of Five, Popular, Ed… Todas elas não existem mais. Também não existe mais a seção de colunas do site Séries Online. A BrasNet é outra que virou lenda. Até hoje mantenho algumas das amizades virtuais feitas através do #gilmoregirls e do #smallville.

Mas nenhum site ganha deste. Criado no bloco de notas do Windows, ocupando no máximo 10kb de espaço em disco, e com um bando de estranhos cadastrados. Nem foi preciso divulgar.

O que mudou nos tempos atuais? Hoje em dia fica tudo mais fácil. Com dois cliques podemos criar um blog. Não é preciso apanhar para um código html que não deu certo, ou sofrer em um limitadíssimo editor gratuito de páginas pessoais. Ganhamos em praticidade. Perdemos em improvisação. — A vantagem é que sobra mais tempo para interagir com as pessoas 🙂

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Em busca de idéias

Preciso urgentemente ter idéias! O normal é que elas apareçam sem ter que procurá-las. Elas costumam brotar assim, do nada, espontaneamente. (Na verdade, não é bem do nada. Elas precisam de todo um contexto especial para surgirem. Um contexto que propicie que elas surjam, ao menos aparentemente, a partir do nada. Um contexto em que não seja preciso se preocupar com nada, para que o nada gere idéias – uma mente livre de preocupações consegue ter idéias; sob pressão, não criamos, apenas reproduzimos técnicas repetidas). Quando menos se espera, eis que surge uma idéia.

Lembro de um desenho que vi muito tempo atrás (algo como 2003) no Canal Futura (nos tempos em que eu ainda assistia televisão, em que eu ainda acreditava no potencial pedagógico dos meios), no qual as idéias (graficamente representadas pela letra “i”) continham apenas uma perna. A idéia era simples. Sozinhas, as idéias não conseguiam andar. Mas apoiadas em pessoas que decidissem levá-las adiante, as idéias iam longe.

Estou disposta a apoiar uma idéia, a dar suporte a várias idéias ao mesmo tempo. O problema atual é um pouquinho mais pontual. O problema é: como ter idéias?

Mas não é qualquer idéia que me satisfaz. Tem que ser uma idéia da qual se possa participar de todo o processo criativo de gestação. Do estalo inicial à execução. Do brainstorming acidental ao elogio ou à decepção final. Posso até me sentir frustrada depois, mas o importante é que seja uma idéia própria. Uma idéia minha. Algo que, tanto faz que dê certo ou errado ao final, mas que me faça querer ir até o fim.

Alguma idéia de como conseguir isso?

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Um quase crime impossível

Agora há pouco eu estava no centro da cidade fazendo compras. Como o que eu queria adquirir era algo relativamente simples, e não encontrava em lugar algum, passei a entrar em lojas em que não entraria normalmente – era um ato de desespero. E, ao entrar numa dessas lojas, eis que alarme toca. As vendedoras solicitaram que a gente saísse e entrasse de novo, só para verificar se tinha tocado por nossa causa, ou por algum outro motivo. Entramos novamente, soou o alarme. Daí, em um ato de insanidade, as criaturas pediram para nos revistar antes de poder entrar na loja.

Sim, qualquer cliente em potencial já pode entrar em uma loja com mercadoria furtada. É perfeitamente lógico, racional e possível um cliente entrar na loja já com mercadoria furtada. Algo como, você pensa em furtar alguma coisa, e, pá!, a mercadoria já aparece nas sacolas que você está carregando. Veja bem, eu nunca tinha sequer entrado naquela loja antes. Seria a primeira vez que entraria para olhar alguma coisa. SERIA.

Não tenho culpa se o detector de etiquetas eletrônicas deles é hipersensível. As vendedoras é que tinham que tinham que ter tido o bom senso de ver que é completamente insano pedir para revistar uma cliente que entra na loja pela primeira vez na vida.

Minha reação foi um tanto estranha, confesso. Apontei para a cara da moça que disse que ia nos revistar, comecei a rir sem parar, e disse que seria muito menos irracional, idiota e insano procurar pela mercadoria em QUALQUER outra loja da cidade, já que aquela em específico estava negando a minha ENTRADA. Ela fez uma cara de interrogação (será que demorou para processar a insanidade do ato?) e saímos da loja. Simples. Pelotas tem um zilhão de lojas. Garanto que em qualquer outra eu encontraria muito mais bom senso que naquela.

crime impossível quando, por ineficácia absoluta do meio empregado, é impossível que se consume um delito. Lojas com essas etiquetas eletrônicas são um bom exemplo disso. Por mais que a pessoa tente furtar o produto, ao sair da loja irá inevitavelmente soar o alarme, a pessoa terá sua saída barrada, e não terá havido crime algum. Nesse caso, não se pune nem sequer a tentativa de furto – porque de todo modo seria impossível sair do estabelecimento com a mercadoria.

Entrar na loja errada não é crime. Mas pedir para revistar alguém sem justa causa pode gerar indenização por danos morais…

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Comprando um remédio

Eu estava em casa, sem nada para fazer, e tive a brilhante idéia de fazer papel de palhaça ir na farmácia que fica na esquina onde moro para comprar um remédio (na verdade, estava atrasada para chegar na aula, mas isso é detalhe). Cheguei lá e não tinha. Aí o vendedor ligou para outra farmácia da mesma rede, confirmou com o ser do outro lado da linha que o produto estava disponível no estoque da outra loja, e me remeteu ao outro endereço. Cinco quadras adiante, na outra farmácia da mesma rede, chego e pergunto pelo mesmo remédio. O vendedor disse que estava em falta. Então repito toda a situação, digo que o vendedor da outra farmácia tinha ligado para lá e garantiram que o produto estava disponível no estoque. Aí o vendedor, num brilhante gesto de generosidade, ligou para outra loja da rede, uma terceira farmácia de mesmo nome. E sim, supostamente lá teria o remédio que eu procurava. Mas dessa vez não caí na armação deles. Não, eles não me remeteriam a cinco quarteirões adiante mais uma vez, para chegar lá e descobrir que há uma quarta farmácia da mesma rede e que talvez tenha o remédio. E depois me remeteriam à quinta, à sexta… Sabe lá se não seriam infinitos estabelecimentos, num total monopólio de nosso tempo e dinheiro. Reclamei – de leve – da falta de consideração do estabelecimento com seus clientes, e fiz o caminho de volta até minha casa, com a promessa de parar em qualquer farmácia que tivesse no meio do caminho para comprar o remédio. Duas quadras adiante (ou a três quadras da farmácia da esquina da minha casa, como preferir) encontrei uma farmacinha simpática que nunca tinha visto. Entrei, pedi o remédio. E em menos de 30 segundos já estava saindo do estabelecimento com o medicamento em mãos. Simples, rápido, fácil, prático. E garanto que eles não têm várias farmácias interligadas em rede para remeter os clientes na vã ilusão de encontrar logo o alívio para seus sintomas mais insistentes…
Dica para funcionários de farmácias: não façam uma asmática cuja doença se manifesta por esforço físico continuado caminhar várias quadras para comprar o refil do inalador. Vocês correm o risco de perder a cliente para uma farmacinha pequena que fica apenas três quadras adiante.
Máximas de experiência: nem sempre o lugar mais perto de casa representa a melhor opção para comprar alguma coisa.

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Ateísmo como mito

Ontem na faculdade tivemos uma aula interessante sobre a relação entre mitos e ciência. Várias reflexões acerca das múltiplas conexões existentes entre os dois assuntos foram suscitadas. Ambos se relacionam em situações como, por exemplo, no fato de que a ciência pode partir dos mitos para tentar descontruí-los, ou, no sentido inverso, quando os mitos aparecem como óbices ao desenvolvimento da ciência.

Lá pelas tantas, a discussão tomou um rumo religioso. Passou-se a discutir deus e o mistério da vida. Aí o professor começou a criticar os ateus. Não os ateus em geral, e sim aqueles que simplesmente negam a existência de deus, mas sem que tenham uma explicação para isso – para o professor, essa espécie de crença seria um mito muito mais forte que o de alguém que crê em deus, porque a crença do não crer (a força que se faz para não acreditar, mesmo sem motivo) requer muito mais esforço.

Daí comecei, ali mesmo na aula, a repensar meus conceitos. Por que, afinal, não creio em deus? Passei a fazer um esforço mental para recordar os argumentos principais de Umberto Eco no simpático debate com o padre Carlo Maria Martini na obra “Em que crêem os que não crêem”. Lembrei que Eco defendia que os que não crêem em deus ao menos crêem em alguma coisa, talvez não tão sobrenatural, mas algo que dê sentido às suas vidas. Lembrei também que tinha parcialmente concordado com isso à época em que li o livro*.

Quando já estava quase desvendando o mistério da revelação divina, quase (re)encontrando um sentido na vida (e enquanto o professor continuava a atacar os ateus-rebeldes-sem-causa), eis que uma colega minha decide lembrar a todos que eu sou atéia. Todos os olhos se voltaram a mim (sensação de deja vù), e, sob pressão (talvez numa tentativa desesperada de se livrar logo de tanta atenção), não consegui balbuciar uma explicação melhor que “Não acredito em deus, mas não tenho argumentos”. Pronto. Virou obrigação moral minha a partir de agora encontrar argumentos para a não-crença. Preciso acreditar em alguma coisa, nem que seja no poder irrestrito do nosso próprio esforço para mudar nossas vidas…

Detalhe. Note que a discussão toda se deu em uma universidade católica. Mesmo que eu tivesse argumentos, talvez não fosse lá muito saudável expô-los.

* Auto-citando-me, sobre o livro:

“O diálogo é de alto nível, e ainda é complementado pela participação de outros intelectuais europeus. A conclusão que parece chegar o livro é a de que, mesmo aqueles que não crêem (em uma revelação divina), ainda precisam acreditar em alguma coisa. Até o mais ateu dos ateus precisa acreditar que está vivo. Precisa crer que é um ser humano. Precisa confiar nos indivíduos. Do contrário, sua vida estaria perdida. Também é interessante ver/perceber que em muitos pontos ateus e crentes concordam, sem que isso afete como realmente pensam”
(eu, em dezembro de 2005 – reparem que, em 2005, eu também tinha colocado a expressão “alguma coisa” em itálico)

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