Livros

Eu estava sentindo tamanha falta de ler por prazer, que logo que acabaram as provas mais difíceis engendrei uma maratona de leituras para colocar em dia tanta estória que tinha ficado pendente. Estes são os livros que concluí (dois deles já havia começado antes) entre a tarde de sexta-feira e a manhã de segunda:

Vigiar e Punir, de Michel Foucault
Foucault empreende uma verdadeira expedição ao passado das condenações penais, traçando uma linha evolutiva desde os grandes suplícios da Idade Média (com descrições pormenorizadas de pessoas sendo desmembradas por cavalos atados a seus braços e pernas), até chegar à noção relativamente moderna de proporcionalidade e individualização das penas. Ele também fala da idéia do Panóptico, de Jeremy Bentham (um prédio em forma redonda, quadrada, estrelar ou pentagonal, com uma torre de observação no meio e com todas as celas voltadas a ela, de modo que um vigia na torre possa ver a todos, mas ninguém possa ver o vigia, e que também não permita que todos se vejam entre si). E no fim conclui, de forma irônica e questionadora, que de certa forma vivemos em uma sociedade panóptica, onde o encarceramento se torna onipresete: do nascimento até à velhice nos submetemos a ele (creche, escola, hospital, prisões, oficinas de trabalho; de certa forma, todas essas instituições se baseiam na hierarquia e na disciplina). “Não admira, pois, que numa proporção considerável, a biografia dos condenados passe por todos esses mecanismos e estabelecimentos dos quais fingimos crer que se destinavam a evitar a prisão.
Devemos ainda nos admirar que a prisão se pareça com as fábricas, com as escolas, com os quartéis, com os hospitais, e todos se pareçam com as prisões?
Livro: Vigiar e Punir
Autor: Michel Foucault
Petrópolis, Editora Vozes, 1996

A Metamorfose, de Franz Kafka
Clássico da literatura mundial do escritor checo Franz Kafka, Metamorfose tem uma das frases de abertura mais bem escritas da história: “Quando certa manhã Gregor Samsa despertou, depois de uma noite mal dormida, achou-se em sua cama transformado em um monstruoso inseto“. A obra é curta, a linguagem é simples, e o leitor acompanha de forma direta e impactante a sinistra transformação de um pacato caixeiro-viajante (Gregor Samsa) em uma repugnante barata, simbolizando uma generalizada incompreensão do mundo.
E a edição que li (Martin Claret, da coleção “A Obra-Prima de cada autor) vem com um adendo especial: a pedido da Folha, 18 escritores foram solicitados a reescrever o começo da obra. Há idéias bastante interessantes — mas nenhuma supera o original 😛

Mentiras que parecem verdades, de Umberto Eco e Marisa Bonazzi
Peguei este livro na biblioteca seguindo sugestão da Alessa que estava em busca de livros “viajantes”. Em Mentiras que parecem verdades, Eco e Bonazzi fazem uma seleção bastante irônica de textos extraídos de livros didáticos italianos. Como o próprio autor alerta na introdução geral da obra, os trechos não estão aí para fazer rir (embora o riso seja inevitável), e sim para despertar no leitor, eventual professor ou pai de aluno em idade escolar (público-alvo) a consciência do que seu filho anda “aprendendo” na escola. Os textos são agrupados segundo eixos temáticos (escola, dinheiro, pobres, etc.) e cada capítulo começa com uma introdução, expondo em termos gerais como o livro didático costuma tratar cada assunto. Cada excerto vem acompanhado ora de um título irônico, ora de comentários posteriores sarcásticos (ou de ambos :P).
Como é exposto na introdução do capítulo final sobre Caridade: “Num mundo no qual os ricos são ricos e os pobres são pobres (mas felizes) a única forma de justiça social é dada pela caridade.” O capítulo sobre a Família traz tiradas impagáveis, apontando as “lições” que se pode tirar de cada fragmento de texto analisado.
O livro abre caminho para reflexão. O que as crianças do Brasil e do mundo andam lendo em sua fase de alfabetização na escola? Devemos prestar mais atenção nesses “inocentes” textinhos, que na maior parte das vezes cada aluno lê uma frase até o ponto, mas pega da oitiva de todos o sentido geral. Essas crianças estão se tornando serezinhos passivos, educados para aceitar o mundo como ele é (o pobre é pobre, mas é feliz; a poluição existe, é ruim, mas temos mais é que aceitá-la…), com todos seus preconceitos e anacronismos.
E mesmo assim, a gente tem tanta saudade da infância, como pode? Éramos educados para sermos acríticos, e, num paradoxo sem sentido, nossos brinquedos, ao invés de divertir, apenas nos ensinavam a viver no mundo dos adultos. É hora de repensar o ensino e a diversão das crianças…
Livro: Mentiras que parecem verdades
Autor: Umberto Eco e Marisa Bonazzi
São Paulo, Summus, 1980

Fragmentos de um Discurso Amoroso, de Roland Barthes
Barthes descreve muito bem aquilo que parecia ser indescritível: o amor. Organizado como uma espécie de dicionário do amor, o discurso amoroso é apresentado em
ordem alfabética, de A, de Abismar-se até o V, de Verdade. O autor usa exemplos de autores como Goethe (e sua obra sobre o jovem Werther), Proust, Platão (O Banquete), entre outros.
Roland Barthes, filósofo, semiólogo, lingüista e ensaísta francês, se dispõe a defender o discurso amoroso, alegando que “Este discurso talvez seja falado por milhares de pessoas (quem sabe?), mas não é sustentado por ninguém.” Em cada verbete, ele consegue passar para o papel as angústias mais veementes de um coração apaixonado, e nos faz refletir acerca de coisas banais, como a espera de um telefonema (ou a dúvida quanto a ligar ou não) e o ciúme inexplicável que sentimos a ver um terceiro falando do nosso ser amado. É um livro para quem ama poder amar ainda mais. Para quem amou sentir saudades e querer amar de novo. E para quem anda desacreditado no amor, para que queira um dia voltar a amar, mas que não se contente com qualquer amor, e sim procure um amor ao menos parecido com aquele descrito por Roland Barthes no livro.
É particularmente interessante a descrição dada pela parte introdutória do capítulo sobre o Porquê: “Ao mesmo tempo em que se pergunta obsessivamente por que não é amado, o sujeito apaixonado vive na crença de que na verdade o objeto amado o ama, mas não o diz.” E, nessa eterna dúvida de amar e ser amado, as relações de amor acabam por serem regidas. Qualquer certeza, por mais vaga que fosse, destruiria por completo a magia do falar de amor.
Livro: Fragmentos de um Discurso Amoroso
Autor: Roland Barthes
Rio de Janeiro, Francisco Alves, 2000

Cem Anos de Solidão, de Gab
riel García Márquez
Achei que ia levar 100 anos para terminar de ler este livro 😛 Mas consegui terminá-lo em bem menos tempo. Ganhei de presente de aniversário (mês passado) da Car0li, e desde então vinha lendo em doses homeopáticas, como numa tentativa vã de querer chegar ao final o mais rápido possível, ao mesmo tempo que sabotava a leitura, de modo a poder obter prazer dela até o último resquício. É uma história muito bem contada por García Márquez, descrevendo em um mundo ao mesmo tempo real e fantástico a saga de uma estirpe condenada a permanecer por 100 anos de solidão sobre a face da Terra. Não há como descrever a saga de Aureliano Buendía e de seus inúmeros descedentes, nos arredores da pequena cidade de Macondo. Cem Anos de Solidão é literatura para ler a pequenas doses, curtindo cada palavra, cada adjetivo, cada mudança brusca de sentido operada em cada frasesinha do romance. É para beber feito vinho. Para regurgitar feito sonho. E propagar como lenha na fogueira (ou seria feito fogo na lenheira? :P)
Levei umas 50 páginas para me acostumar com a leitura da obra, cujas frases geralmente começam falando de uma coisa, e terminam tratando de outra, completamente diferente. Mas vale a pena.
Curiosidade inútil: diz na orelha do livro que Gabriel García Márquez decidiu ser escritor após ler a primeira frase de “A Metamorfose”, de Franz Kafka 🙂

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2 thoughts on “Livros

  1. aww…olha meu nome aqui xD q fofoww!!entre esses livros, os unicos q me interessei em ler foram “fragmentos de um discurso amoroso” e “mentiras que parecem verdades” – nesta ordem mesmo :Pbjos

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