O tempo não é divisível como o espaço. Isso deveria soar óbvio, banal, totalmente compreensível. Deveria. Mas talvez essa seja mais uma daquelas coisas que a gente precisa batalhar para se convencer de que é assim. Algo que, na prática, nem sempre coincide com a teoria. (Algo parecido acontece com a nossa idade. Decoramos um número aleatório, que precisamos manter em mente por 365 dias, quando, na verdade, mudamos de idade a cada dia).
Tentamos o tempo todo fragmentar e compartimentar o tempo em unidades autônomas. Buscamos adaptar nossas atividades ao (espaço de) tempo disponível. Deveria ser o contrário: o tempo a determinar nossa rotina. Com tudo isso, não percebemos que o tempo é, de fato, algo único, contínuo, experienciável, não-tangível (o agora já passou antes mesmo do instante de pronunciá-lo), não divisível, enfim, simplesmente ‘vivível’.
O tempo não é um conjunto de espaços a preencher. O tempo é um caminho que leva a lugar nenhum. A gente segue, caminha, vai para frente. Mas nunca chega, nunca termina. O tempo é, apenas isso. Ele é, sem complementos. Ele é, sozinho.
Não é como uma torta que se divide em fatias. O tempo é fatal e imprevisível. Assim como uma sexta-feira à noite, como um temporal, como uma foto espontânea, como a reação de um gato arisco. Não há como fixar com precisão nem sequer um único instante. Até mesmo uma foto reflete necessariamente uma única faceta da vida (um tempo, um espaço, um ângulo, uma perspectiva). Nem mesmo a divisão do espaço consegue ser inteiramente absoluta, pois há áreas que pertencem a todos, por absurda ficção jurídica.
Apesar de tudo, o tempo passa. O tempo avança, determinado, irrepetível (embora cíclico, embora sensível). O amanhã parece se situar em outro tempo, em outro espírito, mesmo que na prática tudo faça parte de um mesmo continuum.
A divisão excessiva do tempo em espaços leva a experiências efêmeras. Não sobra tempo para reflexão. As atitudes são impensadas e as respostas, irrefletidas. Toma-se conhecimento dos fatos, mas não se absorve nada a partir disso. Na correria, mal sobra tempo para se suspender um suspiro…
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