Monthly Archives: May 2010

O Twitter é uma rede social?

Com o provocante título “What is Twitter, a Social Network or a News Media?“, um grupo de pesquisadores coreanos apresentou um interessante trabalho sobre o Twitter no WWW2010 em abril deste ano nos EUA. A partir da análise de uma grande quantidade de dados, os autores chegaram à conclusão de que o Twitter seria menos uma rede social e mais um espaço para difusão de informações – algo próximo à uma mídia noticiosa (news media).
Para analisar o potencial do Twitter como um novo meio para compartilhamento de informações, os autores do estudo partiram de uma grande quantidade de dados: 41,7 milhões de perfis, 1,47 bilhões de relações sociais/conexões entre esses perfis, 4.262 trending topics e 106 milhões de tweets. Com isso, eles dizem ter feito o primeiro estudo quantitativo de toda a twittosfera e da difusão de informação que ocorre através dela.
Nas conexões entre os atores, eles encontraram padrões que fogem às características tradicionais das redes sociais, como uma distribuição de número de seguidores que não segue uma lei de potência, um número de graus de separação menor que em outras redes (média de 4,12 graus de separação), e uma baixa reciprocidade nas conexões (segundo os autores, apenas cerca de 22,1% dos contatos seriam recíprocos: seguir alguém e ser seguido de volta). Outro dado interessante é o fato de que 67,6% dos usuários não são seguidos por nenhum de seus seguidos – uma hipótese levantada pelo trabalho é que esses usuários usem o Twitter apenas como fonte de informação.
Como em outro estudo já comentado por aqui, eles também analisaram a influência dos perfis do Twitter, a partir do número de seguidores, do PageRank, e do número de retweets. Com isso, constataram que os usuários mais retwittados não são necessariamente os mesmos que são bastante seguidos.
Outros aspectos analisados foram os assuntos mais freqüentes nos trending topics (e o comportamento desses tópicos ao longo do tempo) e o alcance de um retweet. Com relação ao alcance do retweet, eles observaram que, independente do número de seguidores que possui o usuário que fez o tweet original, uma vez retwittado, esse conteúdo tem o potencial de atingir uma grande quantidade de indivíduos. Outra curiosidade diz respeito ao fato de que metade dos retweets costuma ocorrer logo na primeira hora após a mensagem original ter sido postada.

Alguns comentários – o estudo quantitativo traz vários dados para se pensar o Twitter. O aspecto-chave do trabalho parece ser discutir a natureza do Twitter – seria uma rede social ou um espaço para difusão de informações? Por mais que a ferramenta pareça ser mais apropriada para o compartilhamento de informações, acho que não dá para desprezar também seu caráter de site de rede social. Há perfis, possibilidade de interação entre os perfis, e conexões são estabelecidas entre os atores. Ainda que possa predominar um ou outro uso, o Twitter pode ser visto como um híbrido entre uma ferramenta de informação e uma ferramenta de interação. Ou alguém consegue negar que exista na ferramenta um ou outro tipo de uso?
No Brasil não é muito diferente. No estudo que fiz com a Raquel Recuero no ano passado, vimos que a apropriação do Twitter para informação costuma ser mais frequente que para conversação. Mas nem por isso deixamos de observar aspectos de rede social na ferramenta – mesmo as redes usadas para acesso a informação seriam também “redes que importam”.
Mesmo que se interaja efetivamente com poucos dos seguidores do Twitter, isso talvez não baste para caracterizar o Twitter como uma outra coisa que não uma rede social. Ou acaso alguém que tenha 1.000 amigos no Orkut efetivamente conhece e interage com cada um desses 1.000 amigos?

(Via Nieman Journalism Lab – notem a sutileza de que fiquei sabendo do estudo por um blog, e não através do próprio Twitter :P)

Projeto de lei (pretende) regulamentar os blogs

Saiu ontem no jornal Diário Popular, de Pelotas, uma matéria sobre o projeto de lei 7.131/2010, de autoria do deputado federal Gerson Peres (PP-PA), sobre responsabilidade civil e penal em blogs. Dei uma rápida entrevista sobre o tema para o jornal, mas acho que seria interessante aproveitar este espaço para discutir um pouco mais o projeto.
A proposta do deputado traz pelo menos três pontos importantes para discussão: a obrigatoriedade de um cadastro nacional de blogueiros, gratuito e através do registro.br; a responsabilização do blogueiro no caso de comentários anônimos ofensivos em que não se consiga identificar os autores dos comentários; e a obrigatoriedade de que todo blog faça a moderação de seus comentários. O descumprimento dessas medidas, conforme prevê o projeto, poderia levar a uma multa de 2 a 10 mil reais.
A tentativa de imposição de um registro obrigatório, com nome, identidade e CPF, de certa forma é incompatível com a liberdade de expressão propiciada pelos blogs. Assim como haveria muitos que não se registrariam, também haveria outros tantos que buscariam estratégias para burlar o sistema, como vincular seus blogs a outros países, ou sei lá o quê. (Não podemos subestimar a criatividade dos blogueiros :P) Ainda que essa medida fosse implementada, ela não seria eficaz.
A questão dos comentários anônimos é um tanto espinhosa. Se por um lado pode-se dizer que o blogueiro assume o risco pelo conteúdo ao se permitir comentários anônimos, por outro não permiti-los fere a liberdade de expressão. Como o artigo 5º, inciso IV da Constituição Federal estabelece ser “livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”, na prática, a jurisprudência já vem reconhecendo a responsabilidade do dono do blog por comentários ofensivos anônimos nos quais não se consegue identificar o autor do comentário, mesmo que não haja ainda uma lei específica regulando essa questão. Ao menos foi o que constatei na minha monografia do Direito, sobre a responsabilidade civil de terceiros em comentários de blogs e em comunidades do Orkut. O terceiro, especialmente o anônimo, muitas vezes escapa impune, pela dificuldade em identificá-lo.
Já tentar obrigar todo blog a exercer moderação de comentários é um tanto complexo. É quase como impor censura prévia a um espaço que é tido como, em tese, democrático. Qualquer um pode criar um blog, ou expressar sua opinião em um comentário. Limitar essa liberdade chega a ser um contra-senso. Transformaria blogs em qualquer outra coisa que não um blog.
Dentre as medidas desse projeto de lei, a única a que tendo a concordar é com a responsabilização do blogueiro pelo comentário anônimo ofensivo, mas desde que antes sejam esgotadas todas as possibilidades de identificação do autor do comentário.
De qualquer modo, acho pouco provável que esse projeto vire lei, ao menos com a redação original. E, mesmo que vire, é pouco provávlel que seja eficaz. Tentar regular um espaço tradicionalmente auto-organizado com imposições de cima para baixo, sem que haja uma discussão nas bases, tem poucas chances de dar certo.