Reciclando idéias antigas

O texto abaixo foi escrito no começo do ano. A idéia era fazer uma espécie de transcrição literal do que se passava na mente de um homem momentos antes de confessar um crime. O que, é claro, ficou uma droga. Relendo percebi que tem muita contradição interna, do tipo.. Fórum aberto num sábado? ¬¬
Bom, se alguém tiver interesse em ler… vá em frente. Do contrário, valeu por ter lido até aqui 😀

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Ãn… Não… Grrr. Onde é que tá essa coisa? Aaah. Ufa. Em cima da mesinha. É só levantar, desligar. Oh, hoje tem sol. Tá, eu já vi que é dia, já sei que são 7h30. Que barulho irritante! Calçar chinelos, ai meus olhos. Roarr. Pronto! Silêncio novamente. Hm. Voltar a dormir? Acordar? Argh, hoje tem aqueles lances idiotas do inventário da Linda. Escovar os dentes, cagar um pouco, ler o jornal. Jornal. Será que diz alguma coisa do crime? Porta. Barba! Acho que não fiz a barba ontem. Hm. 7h32.
Ué, cadê o jornal? Bah, que burrice, hoje é Sábado! Não tem jornal. Não. Mas e se nos outros jornais sair algo sobre o fato? Dá para comprar um ou dois na banca mais tarde. É. Vai ser isso que vou fazer. Já sei! Vou me vestir antes de fazer a barba, assim ganho tempo. Hoje preciso estar impecável. Hm… vantagens de se deixar a roupa escolhida de um dia para o outro. Odeio essa camisa verde. Mas é a mais chique que tenho. A ocasião pede. Ainda se usa calça com frisos? Era aquela tonta que via esse tipo de coisa pra mim. Nah, chinelo não, tem de ser sapato. Formalzinho. Tá quente aqui neste closet. Aqui está melhor. Grrr esse cinto. Fecha, porcaria! É. Isso. Escovar dentes, barba. Antes, vou tirar água dos joelhos. La la la. Aaah, só de enxergar aquela lâmina em cima da pia, já me dá arrepios. Nossa, quanto mijo! Sabia que não era boa idéia tomar tanta água antes de dormir. Pronto. Dentes. Aaah, essa lâmina! Pasta, escova, pasta na escova, tudum tuntz. Agora é hora da tortura. Dia sim dia não, hoje é sim, ontem foi não. Amanhã não tenho de fazer isso. Essa lâmina me lembra da Linda. Das últimas horas de Linda. Ela era tão feia, por que os pais puseram o nome de Linda? Se bem que aquela carinha, sob determinados ângulos, hmmmm. Cadê o creme?
– AI!
Droga! Me cortei. Vai ficar marcado, odeio isso. Argh. Dedo. Sangue. Não posso manchar a camisa… Linda! Aaah. Aquele monstro! Não. Será que até na morte ela vai me aterrorizar? Já não bastava o casamento forçado? – Aiii. Tssss. Outro corte. Não é possível. Preciso me concentrar. Barba. Manter a boa aparência, de marido bonzinho. Ninguém duvidará de mim na abertura do inventário. Barba bem feita, alguns cortes recentes do rosto. Isso! Tadinho, não conseguiu se concentrar. Ah que susto! Que hora pra tocar a campainha. Quem será? Ah, mas se for mais algum parentezinho tolo vindo das os pêsames, eu juro que mando longe. Onde já se viu incomodar os outros a essa hora da manhã? Devem ser o quê, umas 20 pras 8? Roupas. Que insistência! Já vou, já vou. Ahh. Claro que não ia abrir, tá trancada. Pronto. É só girar ali e.
– Meu amigo!
– Oh, que surpresa.
Que saco esse cara. Nããão. Ninguém merece. O que será que ele quer?
– Aww essa carinha. Venha cá, me dê um abraço. – Só você mesmo.
Que coisa mais gay. O que ele quer?? Será que ninguém entende que eu não sou o pobrezinho do cara que ficou viúvo de uma hora pra outra? Que a Linda não significava nada pra mim! Droga!
– Então, como está? Sinto muito pelo que aconteceu. Resolvi passar aqui logo cedo antes do trabalho pra te dar uma força, ver como você está.
– Oh, quanta consideração. Estou bem. Melhorando.
– Você tá jururu, isso sim. E em seu rosto, esses machucados? Ninguém te deu liberdade pra falar assim comigo, crioulo. – Pois é, cortei fazendo a barba. Acho que acabei me envolvendo, pensando no que aconteceu com a pobre Linda, e me machuquei.
Desculpa esfarrapada. Sorria. Ele não pode perceber. Eu estou bem. Estou cool. Tudo deu certo. Alright. Ele não tem como saber o que se passa na minha cabeça. Rá! Não faça essa cara de que sabe o que está acontecendo. Você não sabe! Não tem o direito de saber! – Sei bem como é isso. Mas logo passa. Se precisar de ajuda, pode contar comigo e com o pessoal lá do escritório. – Você sabe que isso significa um monte pra mim.
Tomara que vocês morram! Ninguém precisa de um bando de caras idiotas! Nunca mais vou precisar de vocês, bastardos! Com a herança que vou receber, serei rico. Rico. Rico! Hahaha. Ele tá olhando pra mim. Ainda. Rápido! Desvio de atenção. Ãn… Perguntar sobre o tempo? Como ele vai? – Bom, a visita era rápida mesmo, preciso ir. Ufa.
– Está bem então, fico feliz que tenha vindo. – Se precisar, é só chamar. Até mais.
– Até.
Rápido! Preciso fechar a porta. Trancafiá-la. A fechadura, a tranca de cima. AH! Some! Sai assombração! Acho que se foi. Será? Não dá para ver nada pelo olho mágico. Canalha! Cínico! Como pode fazer isso? Ele nunca gostou de mim. Ninguém daquela corja jamais deu bola para mim! Grr. Nossa, já são 10 pras 8. Não vai dar tempo de cagar. Bom, nunca desce mesmo. O tempo tá correndo. Preciso ir! Abertura do inventário às 9h. Abertura do inventário às 9h. Lanche, 15 minutos. Dá tempo. Mas e se houver trânsito? Nah. A essa hora, dificilmente. A menos que haja acidente. De manhã? Quem é que bebe de manhã é sai matando no trânsito? Hehe. Ai. Morte. Linda. Ela morreu, eu triunfei. Herança, dinheiro, money, dindim. E se alguém desconfiar? Se alguém descobrir? Não.. foi tudo bem feito…. Eles sabem! Estão adiando a hora de me mandarem pra cadeia. Só pode! Por que o Edmundo sujismundo viria aqui de manhã? Pra rir da minha cara! Só de me ver, ter certeza de que cometi… I didn’t kill my wife! Ela se matou, aquela burra. Meteu a faca na própria barriga, nove vezes. Caiu. A poça de sangue. Não! Pensamentos bons. Me vestir. Café da manhã. Sair. Aliás, que belo dia lá fora. É. Está tudo tão belo.
Preciso comprar algum jornal, tomar café. Eu sou o bom, bom bom… Ah! A TV! Como eu não tinha pensado nisso antes? Deve ter alguma coisa. Café. Nah. Hohoho, noticiários matinais. Nada. Nada. Nada. Insensíveis! Oh, pobre menininho. Perdeu a mãe na enchente. Enchente em São Paulo desabriga 20 famílias e mata 3 pessoas. Coitado. Eu sempre quis ter um filho, e aquela anta nunca conseguiu ter um. Que raiva! Grrr. Ahh. Não posso perder tempo. Outro canal. Hm. Tiroteio no Rio. Nah. Oh, meu amor por você será eterno. Eu não amo o Robinson, eu amo você! Que chatice esses programas. Argh. Chega! Jornal impresso continua sendo a melhor opção. O Dia. Folha. Aquele que sempre esqueço o nome. Bah, qual é o nome mesmo? Ah ah ah. A Linda adorava. Linda. Sangue. Sofá vermelho. Não! Preciso sair logo. Cadê minha carteira? Cheguei, vi tv, tomei uísque, botei a chave no console, e a carteira deve estar… aqui! Ótimo. Carteira, chaves. Acho que isso basta. Hm. Podia ‘acidentalmente’ esquecer de alguma coisa, para parecer que estou atordoado. Pobre maridozinho. Isso! Mas o quê? É o bom, bom, é o bom. Que saco essa música que não sai da minha cabeça! Hmm. As chaves não dá para esquecer. Preciso do dinheiro da carteira. Ah rá! Já sei. Posso me apresentar com a roupa toda desengonçada. Dizer que era Linda quem reparava nesses detalhes, se alguém perguntar. Dá até para chorar dizendo isso. Preciso ensaiar. Cara, é perfeito! É o bom, bom. Horas? Será que dá tempo. 8h05. Ei! Eu posso esquecer do relógio e chegar atrasado. Melhor ainda! Esquecer do relógio e chegar desengonçado, com uns 10 minutos de atraso. Yes! Mas só por garantia, vou levar o relógio, e deixá-lo no carro. Isso. Cara, eu preciso dar aula! Sou expert. O máximo. Woohoo. Crime perfeito, desculpa perfeita. Ninguém desconfiou de mim em nenhum instante! Linda está morta, me dei. Eu matei uma mulher. Assassino. Crápula! A
aaaaah. Não! Chega disso! Eu vou ser feliz agora. Dinheiro, mulheres bonitas e férteis. Tá na hora de ir. Falta pouco para começar a minha nova vida. Espero que ela tenha deixado dinheiro pra mim no testamento. Que ingenuidade! Pra quem ela deixaria? Iurru. Eu sou o bom, bom, bom. Putz. Começou a chover. Vou ter que ir logo, antes que as ruas alaguem. Talvez dê para tomar café perto do fórum. Deve de ter algum lugar por lá, fala sério. Wee. Que saco ter de fechar todas essas trancas. Será que algum ladrão vai querer me assaltar antes de escurecer? Espero que esse treco não demore muito pra passar. Se bem que eu mereço ser assaltado. Haha. Ladrão que rouba ladrão tem mil anos de perdão. Bobagem. Só falta trancar ali embaixo, girar, girar. E… esqueci a chave do carro de lado de dentro. Po, que cabeça a minha. Laralala. É o bom, bom. Onde está a chave? Ah sim, na estante do hall. Lugar de sempre. Preciso mudá-la, caso algum ladrão resolva assaltar a casa. Pelo menos o carro não leva. Nunca se sabe… Hoje em dia, tanta violência. Por que essa tranca de baixo sempre emperra? Rrrrr. O portão tá quase aberto. Hm. Yes! Meu carrinho possante. Vermelho power. Sangue. Aaah. Pensamentos aterrorizantes, não. Chega disso. Tecnicamente, eu não matei ninguém. Opa, bati a porta muito forte. Esse cheiro. Ainda tem o cheiro dessa víbora! Mas isso se resolve. O importante é que o carrão dela agora vai ser meu. Meu. Só meu. Wheel. Bye, bye, home sweet home. Hora de brilhar, no papel de o marido bonzinho. Você me matou, seu idiota! Olha aqui, olha aqui. Estou sangrando. Nada vai ser seu. Eu estou ficando louco! Alucinações, uh. Dobrar à esquerda aqui, hm, ótimo, peguei a droga do sinal no vermelho. Vai levar uma eternidade pra ficar verde de novo. Dizem que sempre que a gente olha pro carro do lado no sinal vermelho, a pessoa está tirando caca do na-. Ew! Eca. Cada coisa. Pa pa ra ra pa. É o bom, bom. Nah, qualquer coisa menos essa música. Vou para o centro, ou direto pros lados do fórum? No meio do caminho deve ter alguma banca de jornal, lanchonete para o café da manhã. É. Vou indo na direção do fórum para não perder tempo. Uau, 8h26. O tempo passa, o tempo voaaa… E a poupança Bamerindus…. nem existe mais. Sinal verde. Beleza! Aqui vou eu. O próximo milionário da parada, iúpi. Pisando fundo numa possante Porsche vermelha.

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