Viva o meio-termo!

Senado aprova texto, mas interpretação dada pelo governo federal garante a manutenção do cultivo do fumo.” (ZH, 28/10/05)

Interessante a saída encontrada por nossos felizes e descansados parlamentares quanto a adesão do Brasil à Convenção-Quadro contra o tabagismo. Depois de ter deixado nas mãos da população uma decisão crucial (mas inútil) como a questão do comércio de armas de fogo e munição no país, desses deputados e senadores podia se esperar de tudo…
Uma das poucas coisas [de útil e relevante para a vida] que aprendi na disciplina de Direito dos Tratados na faculdade foi que não basta ao país signatário assinar uma determinada convenção internacional; toda assinatura precisa passar ainda pelo crivo dos parlamentos nacionais.

Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional:
I – resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional;
” (CF/88)

O Brasil já havia assinado o acordo em 2003, e recentemente o ratificou. Mas o fez de forma inusitada: ao invés de concordar ou discordar do que estava escrito, encontrou uma maneira de interpretá-lo de forma diferente, de modo a possibilitar que o cultivo de tabaco continue no país, embora concorde em estimular o fim do tabagismo… (Vá entender esses parlamentares…)

“A aprovação no Senado só foi possível graças a um compromisso assumido pelo governo federal de manter as políticas de incentivo à fumicultura e o direito dos agricultores de plantarem o produto”. (ZH)

Para tanto, valeram-se de uma brecha no acordo, visto que em nenhum momento ele dispõe expressamente sobre a proibição do plantio do fumo, ou de políticas que incentivem o cultivo do mesmo. Assim, nosso feliz país não deixará de incentivar o plantio de tabaco… embora tenha acordado que lutará para fazer com que cada vez menos pessoas fumem (redução da oferta e do consumo, com medidas simples como a proibição do fumo em lugares fechados e restrições à publicidade de cigarros — coisas, aliás, que o Brasil já vem fazendo desde a assinatura do acordo). Ou seja, valeram-se do famoso “jeitinho brasileiro” para resolver a questão. Pelo menos o país também apoiará produtores que pretendam trocar de cultura.
No final das contas, agradaram a todos e a ninguém — nem as pessoas deixarão de fumar, nem o plantio deixará de se realizar. Mas tudo bem. Nenhum país deveria ratificar plenamente (sem interpretações felizes) esse acordo até que o tio Bush concordasse em acabar com o plantio de fumo e a indústria de cigarro em seu país. Do contrário os EUA ficarão livres para deter o monopólio do cigarro no mundo, sem concorrências. Sim, porque acabar com as culturas de tabaco em países [eternamente] “em desenvolvimento” é fácil. Mas acabar com o consumo de cigarros não é tão simples assim. O constante aumento no preço das carteiras de cigarro mostra que, não importa o preço, quem fuma paga o quanto for necessário. Mesmo que tenha de importar de forma ilegal o produto (pense nos consumidores de drogas ilícitas, como a maconha… será que alguém se importa com a origem do narcótico que está comprando?). Então é melhor mesmo manter, ao menos por mais algum tempo, o plantio de tabaco no país e a indústria nacional de cigarros (subsidiárias das americanas… diga-se de passagem… ao menos geram empregos para o país 😀 e sustentam várias famílias que vivem do plantio).

Só não entendi ainda como o governo pretende reduzir a oferta e o consumo de tabaco e ao mesmo tempo manter os incentivos para a produção e o cultivo do mesmo[?!] Porque alguém vai ter de consumir o que for produzido… E exportar para os outros 167 países signatários do acordo também não é solução…

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