A arte de viajar de ônibus

Acho que tenho um ímã para atrair pessoas que não têm a mínima consideração pelos outros em viagens de ônibus. Na ida para Bagé, atrás de mim havia uma criança irritante (mas feliz) que achou divertido dar socos na poltrona a sua frente. Virei saco de pancadas sem saber 🙂
Do resto da viagem nem me lembro. Acho que a criança (e sua respectiva família leniente) desceram do ônibus e eu comecei a ler, em paz…
A viagem de volta foi mais interessante. Ao sair de Bagé, fiquei observando o comportamento de um bebê que se encontrava (com sua mãe, é claro) no jogo de poltronas ao lado (e à frente) da minha. É curioso notar o agir de uma criança em seus primeiros dias de vida, com olhos que tudo olham mas que nada vêem. Depois de um certo tempo olhando ao redor com uma cara típica de “Quem sou eu? Onde eu estou?”, a menina (estava de suéter rosa… se não for menina, tem uma mãe de muito mal gosto :P) acostumou-se com o ritmo da viagem. Dormiu. Mas ao falhar-lhe o balanço costumeiro, quando o ônibus parou, inadvertidamente, não teve outra escolha senão berrar. Mas em seguida o veículo retomou sua velocidade normal, e a criança pôde descansar feliz. Ainda bem que o ônibus era semi-direto! 🙂 (modalidade máxima do trajeto Pelotas-Bagé-Pelotas).
Na metade do trajeto, embarcou no ônibus um casal que se sentou nas poltronas ao lado, logo atrás. Eles vinham discutindo em voz alta uma suposta tradução de inglês, com um dicionário em mãos. Fiquei num misto entre interromper a conversa e ajudar, ou me irritar por não poder ler. Por fim, acabei me redimindo e aproveitando a oportunidade para apreciar a paisagem da beira da estrada: um lindo pôr-do-sol, digno de cartão postal. Com direito a um sol laranja e gigante, desses que as casinhas da beira da estrada cismam em esconder, mas que é insistente, e não deixa de aparecer a cada esquina, a cada vão, a cada falha na tentativa humana de ocupar todos os espaços sobre a superfície da terra.

Estou gostando dessas minhas viagens com leitura “temática”. Da última vez que fui a Bagé, estava lendo “Viagem na Irrealidade Cotidiana”, de Umberto Eco. Desta vez, o livro era “Se um viajante numa noite de inverno”, de Italo Calvino. Acho que nem preciso dizer que ambas as obras são umas verdadeiras “viagens”… (no sentido “adolescente rebelde de 12 anos” da palavra…). Sobre o primeiro já falei aqui no blog. Do outro, ainda preciso terminar a leitura (restam cerca de 50 páginas). Mas já adianto que o livro é bem interessante, e nele se sobrepõem diversos trechos de obras fictícias, intercaladas com uma estória de um Leitor (com letra maiúscula) que se perde num emaranhado de leituras — e que bem que poderia ser o leitor (com letra minúscula) que lê a obra e se perde junto 🙂

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