Ateísmo como mito

Ontem na faculdade tivemos uma aula interessante sobre a relação entre mitos e ciência. Várias reflexões acerca das múltiplas conexões existentes entre os dois assuntos foram suscitadas. Ambos se relacionam em situações como, por exemplo, no fato de que a ciência pode partir dos mitos para tentar descontruí-los, ou, no sentido inverso, quando os mitos aparecem como óbices ao desenvolvimento da ciência.

Lá pelas tantas, a discussão tomou um rumo religioso. Passou-se a discutir deus e o mistério da vida. Aí o professor começou a criticar os ateus. Não os ateus em geral, e sim aqueles que simplesmente negam a existência de deus, mas sem que tenham uma explicação para isso – para o professor, essa espécie de crença seria um mito muito mais forte que o de alguém que crê em deus, porque a crença do não crer (a força que se faz para não acreditar, mesmo sem motivo) requer muito mais esforço.

Daí comecei, ali mesmo na aula, a repensar meus conceitos. Por que, afinal, não creio em deus? Passei a fazer um esforço mental para recordar os argumentos principais de Umberto Eco no simpático debate com o padre Carlo Maria Martini na obra “Em que crêem os que não crêem”. Lembrei que Eco defendia que os que não crêem em deus ao menos crêem em alguma coisa, talvez não tão sobrenatural, mas algo que dê sentido às suas vidas. Lembrei também que tinha parcialmente concordado com isso à época em que li o livro*.

Quando já estava quase desvendando o mistério da revelação divina, quase (re)encontrando um sentido na vida (e enquanto o professor continuava a atacar os ateus-rebeldes-sem-causa), eis que uma colega minha decide lembrar a todos que eu sou atéia. Todos os olhos se voltaram a mim (sensação de deja vù), e, sob pressão (talvez numa tentativa desesperada de se livrar logo de tanta atenção), não consegui balbuciar uma explicação melhor que “Não acredito em deus, mas não tenho argumentos”. Pronto. Virou obrigação moral minha a partir de agora encontrar argumentos para a não-crença. Preciso acreditar em alguma coisa, nem que seja no poder irrestrito do nosso próprio esforço para mudar nossas vidas…

Detalhe. Note que a discussão toda se deu em uma universidade católica. Mesmo que eu tivesse argumentos, talvez não fosse lá muito saudável expô-los.

* Auto-citando-me, sobre o livro:

“O diálogo é de alto nível, e ainda é complementado pela participação de outros intelectuais europeus. A conclusão que parece chegar o livro é a de que, mesmo aqueles que não crêem (em uma revelação divina), ainda precisam acreditar em alguma coisa. Até o mais ateu dos ateus precisa acreditar que está vivo. Precisa crer que é um ser humano. Precisa confiar nos indivíduos. Do contrário, sua vida estaria perdida. Também é interessante ver/perceber que em muitos pontos ateus e crentes concordam, sem que isso afete como realmente pensam”
(eu, em dezembro de 2005 – reparem que, em 2005, eu também tinha colocado a expressão “alguma coisa” em itálico)

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3 thoughts on “Ateísmo como mito

  1. penso que é diferente acreditar que ele não existe de não acreditar nele.é como ter um dragão em sua garagem. acreditar que ele existe não prova sua existência.

  2. assunto complexo:já fui ateísta.mesmo em criança sempre questionei a existência de um deus.Hoje, eu respeito muito quem acredita, confesso até que respeito mais quem acredita que os que duvidam levianamente, apenas para ser “do contra”.Até porque o conceito de deus é relativo. Considero-me agnóstica e vivo indiferente a uma existência divina. Já que deus, se existe, não faz questão que eu saiba da sua existência, eu o respeito, hahaha.

  3. É muito chato isso. Ateu tem que se “explicar”, enquanto os demais consideram óbvios e lógicos os porquês de suas escolhas. Fé é uma palavra que pode ser usada para justificar qualquer crença. Porque não, então, todosexplicarem o porquê de suas decisões? É estranho ter que provar que algo que não existe, não existe.

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