Absurdos do judiciário brasileiro

O deputado estadual Fernando Capez (PSDB-SP, ex-promotor de justiça, e autor de uma dezena de livros nas áreas de direito penal e direito desportivo – e sim, eu tenho um livro dele em casa) iniciou um processo contra o jornalista e blogueiro Juca Kfouri (não consigo ler o nome dele sem imediatamente associar à clássica piadinha sem graça com o nome de pessoas famosas). A idéia era impedir que Kfouri viesse a furar [desculpem, não resisti] “ofendê-lo” novamente em seu blog. No final de outubro, a juíza Tônia Yuka Kôroko, da 13ª Vara Cível da Comarca da Capital de São Paulo, decidiu, em caráter liminar, que qualquer ofensa que Kfouri viesse a fazer contra Capez a partir daquele momento seria punida com uma multa de 50 mil reais. Kfouri recorreu, mas o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo manteve a decisão em segunda instância. Na última quinta-feira (20/12), a defesa do jornalista entrou com um mandado de segurança* contra o que considera uma decisão que fere a liberdade de expressão do jornalista. Sim, porque estipular uma multa para uma possível ofensa futura é o mesmo que voltarmos aos tempos da ditadura e revivermos os momentos da censura prévia. Em um blog!
E qual foi o crime horrendo e tenebroso cometido por Juca Kfouri e que justificaria o caráter liminar da medida? Kfouri teria dito em seu blog que Capez elegeu-se deputado por conta da notoriedade alcançada a partir do fracasso no combate à violência das torcidas organizadas na época em que ainda era promotor. Em outra oportunidade, o jornalista também teria afirmado que o curso de Direito então dirigido por Capez obteve nota baixa nas avaliações do MEC e da OAB. Os dois fatos realmente aconteceram. Alguém consegue identificar onde está a tal “ofensa”?
Em nota, a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) se manifesta dizendo que “a decisão da Juíza Kôroko prima pelo subjetivismo e se baseia num pressuposto que pretende conferir à sua autora poderes de adivinho, por classificar de ofensa aquilo que o jornalista José Carlos Kfouri ainda não escreveu. No caso, estamos diante não de uma decisão judicial, mas de manifestação de uma pitonisa. Ainda segundo a ABI, a decisão fere a Constituição Federal, em seu artigo 220, que veda “toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística”.

Leia mais sobre o caso n’O Biscoito Fino e a Massa, que convida a espalhar por aí as duas “ofensas” que motivaram Capez a iniciar o processo.

* Mandado de segurança é uma ação constitucional que tem por objetivo proteger “direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, sempre que, ilegalmente ou com abuso de poder, alguém sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça” (art. 1° da Lei n° 1.533/51). Direito ‘líquido e certo’ é aquele que tem existência manifesta, sem deixar margem a dúvidas. É um direito bem delimitado e passível de ser exercido desde logo. Por conta disso, um dos requisitos do mandado de segurança é que os documentos que provam a existência do direito que se quer proteger já sejam apresentados junto com a petição inicial da ação.

Tomei conhecimento do caso a partir de uma sugestão do Sérgio.

9 thoughts on “Absurdos do judiciário brasileiro

  1. Já adicionei ao del.icio.us da nossa rede. É o inverso da le aqui nos EUA, onde a Article 130 (c) especifica claramente o direito de zoar figuras públicas (ainda não sou uma) e não usar insultos pessoais contra cidadãos comuns.
    Amei o post. Vou catar mais links para hoje. Boas festas, Gabriela.

  2. dèjá vu
    Mas isso não vai muito longe, já tem vários casos precedentes.
    Teve um jornalista argentino que supostamente teria ofendido uma figura política, se não me engano, e pelo que eu me lembro o que ele escreveu era muito mais próximo de uma ofensa do que esse daí. O jornalista teve o direito cassado de exercer a profissão, mas no final, a história chegou até na Corte Inerarmericara de Direitos Humanos. Resultado: a sentença foi anulada.

  3. Maravilha de blog. Era oq ue faltava a verbeat.
    Quanto aos casos do judiciário cercear a liberdade de expressão, tive mais sorte em meu processo. Fui investigado em um IP por ter ofendido a polícia civil de São Paulo. O juiz determinou o arquivamento sumário da palhaçada, fundamentando que o procedimento abeto pela polícia era uma ofensa ao estado democrático de direito.
    Ainda há juízes inteligentes.

  4. Bacana mesmo ter uma especialista na Verbeat. Pelo jeito que vai a maré, vamos ter que te consultar várias vezes.
    Brigadim pelo link e feliz ano novo.

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