Meme: Blogar… uma profissão?

Há vários blogs por aí que falam sobre blogs – de dicas sobre como ganhar dinheiro (com blogs) a sugestões de como começar do zero (um novo blog), passando por discussões que tratam a blogosfera como um grupo socialmente autônomo (apesar da diversidade de blogs, apesar da heterogeneidade de blogueiros) e posts que comentam a realização de eventos (sobre blogs). É tanta metalinguagem que não resta dúvidas de que, ao longo de seus mais de 10 anos de história, os blogs já se consolidaram como um meio de comunicação democrático (há controvérsias) e autônomo em relação ao jornalismo. Mas e quanto aos blogueiros – blogar já virou uma profissão?
O Bruno Cardoso, do Navalha Infame, passou-me um meme intitulado “Blogar… uma profissão?”. A idéia é discutir se o uso intensificado e diversificado dos blogs estaria dando origem a uma profissão autônoma, exercida por blogueiros, e em contraposição ao trabalho exercido pelos jornalistas. Embora eu acredite que seja difícil dizer algo novo sobre o assunto, sem cair na inevitável reverberação de argumentos, segue abaixo a tentativa de escrever alguma coisa sobre o tema.
Antes de tudo, contrapor blogueiros e jornalistas simplesmente não faz sentido. Os dois não exercem a mesma função. O jornalista (ideal) possui uma ética que lhe é própria da profissão, aprende técnicas de reportagem, faz um trabalho investigativo sério e ouve os dois lados da história. O resultado de tanta preparação e cuidado faz com que jornalistas – e jornais – trabalhem para construir credibilidade. Por conta disso, apenas por um fato ter saído em um veículo como Folha de S.Paulo faz com que ele adquira status de verdade. Já os blogs não possuem uma regulamentação – a grande graça da coisa é a liberdade de se poder escrever, do jeito que se quiser, sem se submeter a constrangimentos organizacionais (como no caso de jornalistas que trabalham para veículos de imprensa) ou a pautas impostas verticalmente (blogueiros são auto-pautados). Assim, não se trabalha em termos de busca por credibilidade, mas de busca por reputação. E a reputação é construída pela quantidade e qualidade de seguidores que se consegue atingir, pela capacidade de ser reconhecido pelos pares como “blogueiro”. E, sim, o blogueiro precisa se preocupar com o conteúdo, citar as suas ‘fontes’ (que, veja só, quase sempre são outros blogs), e usar, mesmo que intuitivamente, a noção de “valores-notícia” do jornalismo (sob pena de escrever para ninguém ler). Nessa busca por reputação, o blogueiro pode até começar a ganhar dinheiro (embora a grande maioria dos que buscam lucros prefira abusar da capacidade intelectual de seus leitores – dentro da idéia de que uma maior quantidade de leitores irá render mais dinheiro, ainda que esses leitores precisem ser enganados para que cheguem até o blog), o que nos leva ao segundo ponto.
A possibilidade de se ganhar dinheiro com blogs não significa que blogar tenha se tornado uma profissão. Posso ter como hobby pintar quadros, fazer obras realmente muito boas, e até ganhar dinheiro com isso. Também posso ter o jornalismo como profissão, ser formado, com diploma e tudo, e escrever matérias de graça para o informativo de um projeto social ou de uma ONG. Não dá para ignorar que tem gente vivendo de blogs, mas isso, por si só, não justificaria alçar blogar à categoria de “profissão” – o que nos leva ao terceiro ponto: a regulamentação das profissões.
Você consegue imaginar algo como…
Blogueiro
Norma Regulamentadora:
Lei no 210.746 de 27 de fevereiro de 2017 – Dispõe sobre o desmembramento dos Sindicatos de jornalistas e blogueiros.
Decreto no 123.947 de 31/08 de 2017 – Dispõe sobre a profissão de blogueiro e regula o seu exercício.

na lista de profissões regulamentadas, ali, logo após Biomédico? Consegue imaginar uma entidade de classe em defesa dos direitos dos blogueiros, com estatuto, regras para o exercício da profissão e até um curso superior para formar profissionais na área (algo como “Comunicação Social – Habilitação em Blogs”)? Como bem colocou Alexandre Inagaki, a graça do blog é a liberdade, tanto editorial como de forma. Dá para ter blogs sobre qualquer assunto. Os posts podem ter qualquer formato. Qualquer um pode ter um blog. Tentar acabar com essa liberdade propiciada pela ferramenta seria insano (até porque os demais blogueiros não deixariam).
Acho que não cabe aqui discorrer sobre o que é uma profissão, e por que blogar não é uma profissão – o Bruno Cardoso já fez isso, inclusive de forma divertidamente ilustrada. Em seu post, o Bruno traz a definição do dicionário Aurélio para profissão e discute por que os blogueiros não se enquadram na situação. Ele vê os blogs como ferramentas de discussão (em essência, a grande graça da coisa estaria nos comentários, e não nos lucros), e não como meio de comunicação, o que nos leva a um quarto ponto: blogs são versáteis – e, como tal, blogs podem ser muitas coisas ao mesmo tempo.
Enquanto ferramentas de discussão, os blogs são espaços de reflexão e de conversação (embora haja notórias dificuldades em se construir as conversações), distribuídos em uma complexa estrutura de rede, baseada em links, comentários, e trackbacks. Voltando à comparação (equivocada) ao Jornalismo, equiparar blogueiros e jornalistas é o mesmo que esperar que um jornalista da Folha cite uma matéria do Estadão, ou convoque outros veículos a abordar um mesmo tema, como num meme ou numa blogagem coletiva. Blogs e jornais são coisas completamente diferentes, embora por vezes ambos se utilizem de um mesmo suporte (a Internet), tratem dos mesmos temas – e, cada vez mais, jornalistas passem a “blogar” em nome de suas organizações (leve ressalva: a maior parte desses ‘blogs’ não passa de uma versão digitalizada das colunas dos impressos – porque ter um blog é muito mais do que escrever em ordem cronológica inversa e abrir para comentários).
Bom, resumo da ópera: blogar não é profissão (talvez uma atividade, uma ocupação) – embora no futuro possa vir a ser (nunca se sabe; imagino como não devia ser a situação do exercício do jornalismo até ser oficialmente regulamentado) – e a grande graça da coisa é poder falar e ser ouvido, é poder postar e receber comentários, é poder escrever sobre o que se gosta, do jeito que se quiser, e quando bem entender (embora a perspectiva de ter 4 leitores às vezes assuste um pouco).

O caminho do meme
Tudo começou em um post da Ana Brambilla. Ou melhor, o buraco é mais embaixo: tudo começou com as “hostilidades” cometidas por blogueiros contra a imprensa no Campus Party – e que na verdade os jornalistas pareciam estar levando numa boa, mas isso não vem ao caso – e no debate que ocorreu por lá entre blogueiros e jornalistas. Ou melhor, o buraco é mais embaixo ainda: a discussão já tem rolado há muito tempo pela blogosfera afora.
O Thalles Waichert, do iBlog, resolveu continuar a discussão iniciada pela Ana Brambilla sobre se blogar seria uma profissão, e transformou o assunto no meme “Blogar… uma profissão?”, convidando outros blogueiros a manifestarem a sua opinião sobre o caso. Aí o Thalles passou o meme para, dentre outras pessoas, o Yuri Almeida, que, por sua vez, passou para o Bruno Cardoso, e através dele o meme chegou até aqui. E como nessas situações nunca sei para quem repassar um meme, fica o convite para quem quiser se manifestar sobre o assunto. Convoco, em especial, o Gilberto, que recentemente fez um post sobre como os jornalistas poderiam aproveitar o potencial dos blogs para se tornarem, eles próprios, verdadeiros veículos de comunicação social.

12 thoughts on “Meme: Blogar… uma profissão?

  1. Gostei da resposta, Gabriela. Você foi bem mais a fundo nas comparações entre “blogueiros vs. jornalistas” e “blogs vs. jornais”.
    Este é um meme que eu gostaria de ver espalhado por aí. 🙂

  2. Opa Gabriela!
    Acho que a atividade ou oucupação de blogueiro terá cada vez mais status de profissão, ainda que não seja regulamentada!
    A idéia de regulamentar parece que vai se tornar obsoleta, pois vivemos num mundo em que tudo muda tão rápido que não faz muito sentido regulamentar!
    Blogueiro é uma “profissão 2,0”, isto é, sem regulamentação 🙂
    []’s

  3. Fato, há gente que vive de blogs, como havia gente que vivia “de internet”. Não se sabe por quanto tempo.
    Eu prevejo uma bolhinha, mas é opinião pessoal de uma blogueira cansada e sem assunto.
    Nào uma bolha da conversação e do formato blog, mas da “profissão: blogueiro”.
    Acho que isso, por incrível que pareça, fará bem à blogosfera.

  4. Sérgio: Hm, é verdade. Falei o tempo todo de profissão, querendo dizer “profissão regulamentada” 😛 Mas igual, mesmo no sentido comum de profissão, será que é possível, mesmo a longo prazo, criar uma ‘identidade’ para blogueiros, de tal forma homogênea que justifique chamar a atividade de blogar de profissão? (em outras palavras… só os probloggers são profissionais, ou todo mundo, nesse caos todo, pode ser considerado um “blogueiro profissional”?).
    Bruno: tomara que o meme se espalhe; se bem que o assunto já tem sido largamete discutido por conta do Campus Party… 🙂
    Carla: realmente, seria uma bolha saudável. A discussão sobre o que é um blog já anda bem batida. Mas uma discussão sobre o que define um blogueiro poderia atingir níveis interessantes.

  5. Opa Gabriela!
    Acredito que no futuro haverá o blogueiro profissional, isto é, aquele que tira seus proventos de blogar! Quer seja para uma empresa ou para si!
    Logo, nem todo mundo é/será blogueiro profissional, assim como nem todo mundo que joga futebol é jogador profissional.
    Mas aqueles que assinam contrato, ou ganham seu dinheiro de usa atividade, devem sim ser catalogados como profissionais
    E não vai aí nenhum juízo de valor se estes são melhores ou piores que blogueiros amadores!
    []’s

  6. Sérgio: algo mais restrito ao mundo corporativo, então? Tipo o que pretendem fazer Inagaki, Edney, Ian Black e Gustavo Jreige com a Blog Content? Bom, ao menos é uma perspectiva melhor que imaginar boa parte desses caça-paraquedistas se alçando à categoria de ‘profissionais’ apenas pelo fato de que ganham dinheiro com seus blogs…

  7. Gabriela, este foi o melhor texto que li até hoje sobre o tema. E olha que o Interney caprichou. Manifestações como a de blogueiros incomodando a sala de imprensa da Campus Party com criancices não colaboram, apenas atrapalham, alimentam campanhas como aquela discriminatória orquestrada pelo Estado de São Paulo. Como bem resume o Interney, não somos jornalistas, no máximo editamos, selecionamos notícias.
    Somos, por outro lado, colunistas com muito espaço e atualizações constantes. Não é à toa que em todos os grandes jornais seus colunistas expressem suas idéias no espaço online sob a forma de blogs.
    Mudando um pouco de assunto, fiz parte da blogagem coletiva da Luma e realmente foi uma experiência interessante ver meu Google Reader com diversas manifestações de outros blogueiros todos contra a pedofilia. Temos que fazer blogagens assim mais vezes. Grande abraço! E obrigado pela visita ao meu blog!

  8. Opa Grabiela,
    O meme chegou longe…o que prova a “força” da rede. No post que escrevi sobre o meme defendi:
    a grande discussão que está em jogo nesse papo jornalistas versus blogueiro são os mecanismos (leia-se diploma e registros) que controlam o acesso aos campos sociais profissionais. Quem sabe renda um novo “meme”.
    gostei do seu blog. assinei o feed.

  9. Sergio 2: pois é, os blogueiros têm que deixar de lado essas briguinhas inúteis que não levam a lugar algum, para se mobilizar em prol de causas realmente relevantes, como era o caso da blogagem coletiva sobre pedofilia – aliás, foi realmente uma lástima não ter tomado conhecimento antes, a tempo de poder participar.
    Yuri: obrigada pela visita 🙂 E, realmente, a questão do diploma mereceria todo um meme à parte 😛
    Gilberto: aí entras mais ou menos na linha do que disse a Ana Brambilla em seu post – o blogueiro é especialista em algo, que transcende a existência do próprio blog.

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