Livro: Deus, um delírio

No ano passado retrasado passei por uma situação em que não tive argumentos para justificar meu ateísmo. Hoje talvez me saísse melhor em uma discussão de tal tipo, especialmente após ter lido “Deus, um delírio” de Richard Dawkins.
Primeira das minhas leituras de férias (ainda no finalzinho de 2008), o livro traz uma série de argumentos contrários à hípotese de existência de deus, e também rebate alguns dos argumentos mais comuns em sentido contrário.
Para dar uma idéia do tom crítico da obra, eis um trecho: “Sugerir que a causa primeira, o grande desconhecido que é responsável por alguma coisa existir, é um ser capaz de projetar o universo e de falar com 1 milhão de pessoas simultaneamente é a abdicação completa da responsabilidade de encontrar uma explicação” (p. 209).
(Com isso, vem-me à mente a cena do personagem de Jim Carrey em “Todo Poderoso” tendo de responder a milhares de preces simultâneas por e-mail. Aliás, se deus é onisciente mesmo, por que raios deveríamos perder tempo fazendo preces? Ele já sabe de tudo mesmo…)
São mais de 400 páginas em que Dawkins, um darwinista assumido, ataca não uma religião em específico, mas a idéia toda de um “deus” único para explicar todas as coisas. Dawkins ainda diz que ensinar religião às crianças seria uma espécie de abuso infantil (afinal, elas ainda não têm condições de decidir por si próprias em que – e se – acreditar), e sugere que a religião seria uma espécie de meme (Dawkins, que é biólogo, foi quem propôs inicialmente a teoria dos memes, como idéias que se replicam tal qual os genes, de uma mente para outra).
Apesar das incoerências na hipótese de que deus existe, mesmo assim pessoas no mundo inteiro seguem recorrendo a uma religião para dar sentido a suas vidas. Por quê? Uma tentativa de explicar isso é esboçada pelo autor: “Será a religião um placebo que prolonga a vida reduzindo o estresse?” (p. 221)
Há quem argumente, ainda, que as pessoas precisam ter uma religião para lhe ditar os padrões morais, para serem pessoas boas. Entretanto, do mesmo modo que a religião pode tornar as pessoas boas, por outro lado, várias atrocidades são cometidas em nome da religião (vide 11 de setembro. Vide guerras motivadas por disputas religiosas). Então que possuir valores morais não chega a ter a ver tanto com religião. De certa forma, depende mais de cada um: há católicos bons e maus, assim como há ateus bons e maus.
O único problema do livro é que só ateus ou pessoas em dúvida quanto à religião irão se dar ao trabalho de lê-lo… 😛
Se o tema lhe interessa, recomendo a leitura da série de posts sobre religião que o Marcus fez, ano passado, em seu blog A Grande Abóbora, em especial o post sobre a redução ao absurdo.
É possível, ainda, encontrar a obra, na íntegra, em sites de compartilhamento de arquivos, como no scribd ou no 4shared. Comecei a ler online, gostei, e resolvi comprar incluir na minha lista de presentes de formatura.

Em tempo: este post é uma tentativa de resgatar a série de resenhas de livros e filmes deste blog.

16 thoughts on “Livro: Deus, um delírio

  1. Realmente acho Dawkins um grande cientista. Seu conhecimento e suas iniciativas realmente estão mudando como as coisas são vistas entre ateísmo e religião.
    Talvez o seu artigo me faça tomar vergonha na cara e pesquisar mais sobre o assunto e ler este livro. Uma ótima recomendação sem dúvidas, mesmo que ela possa de alguma maneira lhe prejudicar, afinal ateísmo parece ser uma “doença” para a maioria das pessoas.

  2. É. A religião e a idéia de Deus são invenções humanas. Pior: é uma necessidade para a maioria das pessoas. E mais: por ser uma necessidade humana é infelizmente INERRADICÁVEL.
    E como há filhas da puta entre os religiosos!
    Acho que os trabalhos de Dawkins e o novo ateísmo que começa a ser divulgado na Europa, podem fazer crescer o número de ateus, pois a os efeitos da religião são via de regra nefastos.
    Beijo, Gabi.

  3. Reconheço os atributos do pensamento de Dawkins, é claro que há muitos filhas da puta entre os religiosos, mas, ora, tudo ficou provado para você após a leitura do livro?
    Se assim é, recomendo-lhe que leia as provas da existência de Deus, de Santo Tomás de Aquino, ou Ortodoxia, de Chesterton. Argumentos há que sobram.
    E não acho que somente os ateus se interessem pelo livro do Dawkins. E se se interessam, ora, não há aí um contra-senso? Os incrédulos querem o quê com a leitura do livro? Se convencerem de algo já tido (p/eles) como certo?
    O que me faz lembrar do caso dos ônibus lá na Inglaterra (projetinho patrocinado, veja só, pelo próprio Richard): essas pessoas precisam se auto-afirmar todo o tempo porque, senão, parece-me, perdem a ‘fé’ em seu próprio ceticismo.
    Não sou protestante, tampouco um católico ortodoxo. Mas, Gabi, há controvérsias várias nessa história.
    Grande abraço.

  4. Diego: não tinha encarado ainda por esse lado. Mas, realmente, para a sociedade atual em que vivemos, ainda, as coisas são bem mais simples para quem têm alguma religião. 🙂
    Milton: admiro as pessoas que mantêm uma religião, que são fiéis a alguma coisa. Mas, como em várias outras situações da vida, os extremismos podem ser perigosos. :/
    Ed: ops, não me expressei bem. Já me considerava atéia desde antes, o livro apenas me proveu argumentos (e nem cheguei a expô-los no post, só comentei sobre o livro). Tive formação católica, fiz primeira comunhão, estudei em colégios e em universidade católica… li a bíblia, frequentei missas. Cheguei a frequentar cultos de outras religioes, até sessões de espiritismo. Mas em algum momento disso tudo parei para pensar e mudei de idéia, apenas isso. 🙂 – aliás, o que é um pouco mais complicado, porque desde então estou em busca de um sentido na vida.

  5. Gabi, leia tbm o michel onfray com o livro tratado de ateologia, dá uma perspectiva diferente da do Dawkins mas muito interessante tb.
    a questão não é que o ateísmo tenha que se auto-promover pra não perder a fé no ceticismo, mas sim de que as pessoas têm o direito de “sair do armário” enquanto ateus sem sofrerem preconceitos. Por ex, há uns tempos atrás foi feita uma pesquisa indicando que de todas as minorias, entre homossexuais, judeus, negros, etc, a última minoria q as pessoas queriam como presidente da república seria um ateu. Isso é só um ex…

  6. Se acreditar em «um ser capaz de projetar o universo e de falar com 1 milhão de pessoas simultaneamente é a abdicação completa da responsabilidade de encontrar uma explicação», como explicamos a existência de cientistas cristãos do tamanho de Copérnico, Boyle, Kepler, Bacon, Galileu, Pascal, Newton, Pasteur e muitos outros que minha pouca paciência não me permitiu encontrar?
    E se o problema de se ensinar religião para as crianças é o fato de elas serem incapazes de decidir por si próprias em que acreditar, vemo-nos obrigados a concluir que não só a educação religiosa, mas toda forma de educação infantil é um abuso. Ou a existência (ou inexistência) de Deus é a única idéia controversa e (digamos) subjetiva que os pais arbitrariamente inculcam nos filhos?
    Aliás, se os pais não podem ensinar a existência de Deus, é porque não podem, igualmente, ensinar sua não-existência. Que órgão seria responsável por essa fiscalização?
    Mas eu pensei que fosse grande a galeria de teólogos, filósofos e poetas religiosos e atormentados, ou atormentados porque religiosos.
    Ao que me parece, as únicas religiões interessadas em acabar com o estresse são as orientais, que, no mais das vezes, nem teístas são, nem acreditam num «ser capaz de projetar o universo e de falar com 1 milhão de pessoas simultaneamente».
    E a religião dá sentido não só à vida, mas ao universo. Não é verdade que, sem Deus, tudo o que existe é fruto do puro acaso, etc.?
    Por último:
    Não se diz que a religião é necessária para que as pessoas tenham moral. Diz-se que, sem ela, a moral dessas pessoas não tem base. Consegue perceber a diferença? Todos nós sabemos, desde Nietzsche, que, sem Deus, não existe essa história de bem e de mal. Isso é coisa dos cristãos, coisa daqueles fracos.

  7. Adri: obrigada pela dica! Vou procurar ler, sim. De certa forma, ser ateu seria um modo de se posicionar perante a religião. É como ter qualquer outra religião que não a dominante em um determinado lugar… não deveria haver tanto preconceito assim, mas, enfim…
    Nagel: vamos por partes:
    1. Ciência e religião não são incompatíveis. Há até mesmo a teoria do design inteligente, que procura conciliar o darwinismo com a existência de um deus projetista do universo. 🙂
    2. O problema não é ensinar religião, em geral, e sim impor uma única religião desde cedo (No livro, Dawkins vai dizer que é um absurdo chamar uma criança de “católica” ou “muçulmana”, assim como seria absurdo chamá-la de “neoliberalista” ou “marxista”). Nesse sentido, gostei bastante da disciplina que cursei na universidade, “Deus e experiência de deus hoje”, pois, apesar de ter sido em uma universidade católica, o conteúdo tratava de como a figura de deus aparece nas mais diversas religiões. Talvez esse seja um caminho. =)
    3. Há religiosos e não religiosos atormentados. O problema está nos extremismos. 🙂
    4. Sim, sim, mas essas seriam as religioes cujo objetivo declarado seria aliviar o estresse. O que Dawkins procura no livro é um motivo para a idéia geral de religião ser algo tão antigo e duradouro, e levanta a hipótese de que seria talvez uma forma de aliviar o estresse (lembre-se do fato de que, por exemplo, no catolicismo, somos incentivados a fazer preces e tudo o mais).
    5. Pois eu acho que tudo surgiu por acaso. Por isso a necessidade de buscar uma explicação, ao menos para a vida. :/
    6. Ok. Então minha moral não tem base. 😛 (Embora ache que ela tenha se originado nas práticas comuns da sociedade…)

  8. Essa discussão é mais vasta que um que outro dito de algum pessimista alemão do século 19. Também vai além da iconoclastia geométrica que renega a religião do mesmo modo que um religioso fanático renega tudo que não é sacro.
    Aqui se cria a figura do ateu-fundamentalista, ele tem uma crença moldada nos mesmos mandamentos da religião que tanto abomina. Sem saber no que se funda e se baseia a religião se vale de citações das quais não tem capacidade pra interpretar, por que é tão desesperado pra dizer NÃO HÁ DEUS, quanto um religioso diz HÁ DEUS. O problema dos que negam a religião simplesmente ” por que sim ” e não fundamentam ( como Dawkins fundamenta e muito bem ) é que seguem uma retórica e uma maneira de pensar igualzinha a de um crente da Igreja Universal.
    O lado da religião que aliena é o mesmo lado alienante de todas as areas de ação humana. Literatura mal ensinada faz alguém ler o Dan Brown e ter uma ereção, assim como péssimo teatro faz alguém crer que Mirtha Legrand é uma atriz. O lado mercantil é desprezível, tanto quanto o lado mercantil de qualquer coisa que pra venda não esteja destinada.
    Agora, há um deus, um sujeito melhor que todo mundo e toca o horror na rapaziada ao risco do menor escorregão? Claro que não. Também me parece que muita gente se esquece do que significa a figura divina em outras religiões. Deus não é só o católico, ou o do islã ou da torá, acho que pra tanta capacidade de afirmar com tanta força algumas coisas a vista sobre o significado de deus tem de se fazer mais amplo. Nas sociedades mais primitivas deus é um valor moral, não um catalizador e juiz de tudo. Me parece tranquilamente que o progresso humano não prova isso, fossemos todos amebas a verdade ainda seria a mesma.
    Não há um ser superior, a própria religião seja da denominação que for, não tem em seus livros-símbolos verdadeiros libelos de igualdade e igualdade entre seres humanos? No qual o metafísico, no qual tudo que extrapole a condição humana de alguém SEMPRE é algo que se resolve depois de morto? Se sim há mandamentos no corão, torá, bíblia que ordenam os seguidores a uma certa conduta moral, essa conduta deve se seguir no convívio entre ser humanos. Onde diz ” E quando fores falar com Deus não pronunciais a letra F, ele odeia esse som ” ?
    A necessidade do ser humano supre na religião me parece sim residir na necessidade de abstração que cabe a todo ser humano, ir além da sua própria humanidade entrando em contato com códigos e axiomas de natureza distinta. Em algum ponto todo mundo tem alguma besteirinha na cabeça, uma quimerinha, uma coisinha ilusória que seja mas tem.
    A religião, pelo fato de ter consigo essa arma do sujeito que tudo vê, tudo fez, faz e fará conta com um aliado poderoso pra transcender a condição humana. Honestamente, isso dá certo desde que o mundo é mundo, não se trata de um mero jogo de palavra pra enganar otários onde se sustenta a religião.

  9. Vós compreendeis, “é preciso uma religião para o povo”. É a válvula de escape.
    frase de MIKHAIL BAKUNIN, no livro “Deus e o Estado “.
    A RELIGIÃO FOI INVENTADA PARA ACALMAR O POVÃO E COM ISSO ALGUNS PODEREM GOZAR UMA VIDA MELHOR EXPLORANDO E VIVENDO AS CUSTAS DESSE POVÃO. FERNANDO HENRIQUE CARDOSO PASSOU O TEMPO TODO MENTINDO PARA GANHAR AS ELEIÇÕES ATE O DIA EM QUE NUMA ENTREVISTA DEIXOU ESCAPAR QUE É ATEU.
    A IGREJA APOIOU O GOLPE MILITAR NO BRASIL EM 1964

  10. Bakunin compreendia a religião como Marx, que era um instrumento de alienação das massas. Que era mais um dos instrumentos de alienação das classes dominantes. Mas sob um ponto de vista de análise macro e muito generalizada das raras vezes que se prôpos a dedicar a sociedade, passou longe da religião. Aliás, Deus e o Estado é um compilado, póstumo de 1882 ( Bakúnin morreu demente e sifilítico em 1876 ).
    Concordo sim que é a religião ( também ) um instrumento de dominação. A Igreja não na integralidade apoiou o golpe de 64. O Lorscheider ( são dois o direitoso e de esquerda, ambos padres )Dom Paulo Evaristo Arns, uma missa ecumênica rezada pelo Wladimir Herzog se fosse a igreja tão militarizada muito jamais teriam acontecido esses fatos, a teologia da libertação a qual eu acho particularmente um pé no saco, mas interessante no sentido que secularizava a Igreja ( ?! Sim ! 😛 ). Acho que essa carapuça não serve no Brasil, na Argentina por exemplo já sim. Foi uma vergonha desde a primeira queda do Perón em 56 ( antes até ) a maneira como era vendida e comprometida com as elites.

  11. Bem o que mais vejo é ateus tendo seus argumentos considerados logico e obvios, enquanto quem acredita tem q explicar suas escolhas sob um ´sério olhar de desdém.
    Pra vcs verem como a situação e complicada e como cada ambiente pode ser observado um comportamento.
    No mais, acho curioso como ainda confundem Deus com religião, espiritualidade com cristianismo…
    E de toda forma, se aprendemos coletivamente que ‘nosso’ Deus realmente seria (ou é) onisciente e onipresente, isso não elimina a utilidade da oração, que é uma reflexão formalizada onde nos dirigimos à ‘Ele’, para levantar questões importantes ou só choramingar nossos medos e perdas… vai de cada um.
    De fato é isso, a maioria das questoes que mobilizam os cristãos são bem superficiais, mais quem sou eu para julgar tantos pelo meu padrao socio-histórico cultural. Já que tbm sou contra a doutrina de gerações pelo privilégio do Poder que só fortaçecem o aspecto superficial e supersticioso, tranformando grande parte do “povo de Deus” num povo intolerante e míope!

  12. Esse Dawkins eh muito legal. Realmente eh um abuso infantil deixar as familias ensinarem religiao as criancas. Precisamos urgente que os governos assumam a tarefa de educar as criancas para que as coisas melhorem logo. Governos competentes, funcionario bem treinados esses sao os verdadeiros educadores da atualidade e no futuro cada vez mais. Que legal!

  13. A maior sacada do Dawkins é quando ele, parodiando Woody Allen, diz: “Se Deus realmente existe é um grande desperdício de potencial”.rs,rs,rs, GENIAL! Mas, sinceramente, fiquei um pouco decepcionado com o livro, pois esperava uma argumentação mais robusta (menos retórica), baseado em equações algaritmicas, teorias quânticas, sei lá 2+2=4, entende…
    Mas tudo bem, para aqueles que ainda insistem em acreditar numa fada cósmica que criou o universo na base do pirlimpimpim, deixo aqui a frase de uma campanha publicitária inglesa, em defesa do ateismo: “Provavelmente, Deus não existe. Agora, pare de se preocupar e curta a vida” – em tradução livre.

  14. A maior sacada do Dawkins é quando ele, parodiando Woody Allen, diz: “Se Deus realmente existe é um grande desperdício de potencial”.rs,rs,rs, GENIAL! Mas, sinceramente, fiquei um pouco decepcionado com o livro, pois esperava uma argumentação mais robusta (menos retórica), baseado em equações algaritmicas, teorias quânticas, sei lá 2+2=4, entende…
    Mas tudo bem, para aqueles que ainda insistem em acreditar numa fada cósmica que criou o universo na base do pirlimpimpim, deixo aqui a frase de uma campanha publicitária inglesa, em defesa do ateismo: “Provavelmente, Deus não existe. Agora, pare de se preocupar e curta a vida” – em tradução livre.

  15. Assuntos como esse sempre são delicados. Existem extremos de todos os lados e contrassensos também. É óbvio que qualquer religião tem acertos e erros. No entanto, é extremamente complicado olhar para um universo como o nosso, olhar para a beleza do ser humano e não acreditar que um ser superior criou toda essa harmonia. O que contraria a beleza da criação é fruto do que nós fazemos conscientes ou não. Por isso, respeito quem pensa diferente de mim, mas, penso que tem muitas pessoas boas que crêem em Deus, seguem uma religião e são extremamente éticas.

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