Category Archives: Uncategorized

Sobre livros

“Há livros que são agradabilíssimos de ler, mas sobre os quais é impossível escrever: porque mal são expostos ou comentados, damo-nos conta de que eles se recusam a ser traduzidos na proposição ‘este livro diz que’.” (Umberto Eco, Viagem na Irrealidade Cotidiana, pg. 289)

Buenas. Vamos tentar. O objetivo dessa série de posts (de hoje até, sei lá, o fim de semana, talvez) é falar de todos os livros que gostei de ler, mas nunca tinha antes conseguido traduzir esse gosto em palavras — como se a palavra escrita tivesse um poder tal ao ponto de acabar com a magia das reminiscências da leitura. Como se o texto tivesse a capacidade de dissipar a lembrança daquilo que foi lido… 😛 O que gostei no Umberto Eco é que ele faz com que você se sinta normal por pular páginas entediantes de livros longos, ou interpretando de maneira peculiar algo que todo mundo entende como uma [outra] determinada coisa…

Bom, enfim… o livro de hoje vai ser o próprio “Viagem na Irrealidade Cotidiana“. É meio injusto começar com ele, porque foi o último livro que li (aliás, nem sequer terminei; falta ler o último ensaio :P). Mas a grande vantagem é que tudo ainda se encontra fresquinho em minha memória 😀

Umberto Eco, com seu humor fino e inteligente, consegue transformar qualquer coisa em assunto. Em “Viagem na Irrealidade Cotidiana” há diversos textos do autor, sobre os mais variados temas, que vão desde fictícias discussões com personagens de livro sobre a pena de morte, até severas críticas ao fenômeno dos museus de cera nos Estados Unidos, passando pela descrição irônica de rituais de candomblé no Brasil, e culminando com textos extremamente críticos acerca da Comunicação.
O que Eco faz é mostrar que há muito de irreal (ou de “hiperreal”, como no caso do museu de cera :P) em basicamente tudo o que acontece à nossa volta. E ele o faz usando o ponto de vista da Semiótica, o que torna tudo mais interessante.
Eco fala até de Roland Barthes (e no mesmo ensaio ainda fala de Foucault, inclusive com citações de “Vigiar e Punir“); e quando ele fala de Lévy (crítica aos “novos filósofos”) cita obras como “1984” (George Orwell, um dos livros que mais gostei de ler ultimamente) e “Admirável Mundo Novo” (Aldous Huxley, terceiro livro da minha lista de leituras, logo após “Apocalípticos e Integrados”, também de Umberto Eco, e “Aula”, de Roland Barthes)…
A citação a seguir é de “Os Novos Filósofos”. A crítica de Eco nesse ensaio centra-se no fato de que Bernard Henry Lévy chegou à tosca conclusão de que o Proletariado não existe, já que nunca o viu andando por aí…

Repare-se nas magníficas conseqüências destrutivas que se poderiam tirar desse procedimento de massacre epistemológico: o número não existe (foi inventado por Pitágoras e por Peano, nunca se viu o número andando pelo pátio de uma igreja), não existem nem o triângulo (um golpe de força de Euclides), nem a Ursa Maior, pois foi um astrônomo que traçou as linhas que ligam as estrelas, que até então estavam tranqüilas no seu canto. Do átomo de Bohr, então, é melhor que nem se fale. Em poucas palavras, Lévy descobriu que a ciência é feita de abstrações e de conceitos, ou seja, que a Estrutura é Ausente, e seus nervos não agüentaram.” (pg. 312)

Marcadores:

E a saga continua…

O maior limão do mundo.” (minha irmã; sexta-feira passada)

Vida pós-referendum

No fim, o referendo não foi tão inútil (apesar de seguir tudo como está). Ganhou o não, não muda nada para o comércio de armas de fogo e munição. Mas o que muda é a posição da população diante da temática da criminalidade.
Por intermédio do referendo, deu-se a oportunidade às pessoas de participarem da elaboração do texto da lei. Pode ser que não tenha sido possível acabar com a criminalidade, mas o povo refletiu bastante sobre a temática, e está apto a cobrar do Estado ações efetivas — mediante manifestação se preciso –, para que sua segurança seja assegurada.
A mídia se deu mal. Achei que a Globo fosse acabar convencendo as massas a votar pelo sim, mas pelo visto a campanha feliz e meiga deles não deu muito certo. Se bem que em todo o resto do que vi, li ou ouvi (na verdade, li, li e reli, porque não vejo TV nem ouço rádio :P) percebia-se, ao menos implicitamente, uma certa “quedinha” pelo não, de extremos como a Veja (e suas capas nada imparciais) a coisas mais sutis como as abordagens sistemáticas da ZH. Só a Globo foi idiota 😛
Claro que ia ser perfeito um mundo sem armas, um mundo de dedos cruzados num gesto de paz e amor, onde ao fim todos se dessem a mão num abraço grupal, ao som de John Lennon e com o perfume de flores no ar. Mas o povo brasileiro [ainda] não está preparado para isso. Há um longo caminho pela frente, que inclui investimentos em saúde, segurança e educação. Mas não é impossível: apenas vai ser difícil chegar lá (mas quem disse que a vida tinha que ser fácil? :P).

P.S.: Em respeito aos que chegam aqui procurando por coisas as mais absurdas em buscadores (este post é em homenagem ao infeliz que chegou aqui em busca do resultado final da telesena de primavera), resolvi retomar a temática do blog (sabe.. aquela do título… ius – direito + communicatio – comunicação? :P). Portanto, assistam à queda do número de “eus” nas mensagens, para a ascensão da incessante busca pela impessoalidade 😀

Marcadores:

Viagem na viagem

Pela primeira vez em muito tempo percorri o trajeto Pelotas-Bagé de dia e numa janela do lado oposto ao do motorista. A paisagem era tão diferente que cheguei a me questionar, mais de uma vez, se estava no caminho certo. Eu não ia me espantar nem um pouco se o ônibus viesse a parar em um país de primeiro mundo. Tudo parecia tão fora do comum que nem parecia o mesmo trajeto que percorro cerca de uma vez a cada quinze dias. Talvez porque em outras viagens estivesse sempre tão interessada em buscar o silêncio para a leitura (ou viajasse do outro lado, como preferirem) eu perdia de apreciar a bela paisagem.
Muitas das cenas eu queria poder envolver em papel laminado para consumir mais tarde, a conta-gotas… Campos verdes, flores amarelas, céu azul (qualquer possível analogia com a bandeira do Brasil terá sido mera coincidência)… A vaca que sorriu ao ver o ônibus passar (meu egoísmo acusa: ela sorria para mim, aquele sorriso era MEU!), ruminando um lanchinho gostoso… O lago que reflete o sol…. e que em algum pontinho ínfimo do sol, lá longe, bem longe, eu tinha a certeza de que o lago também estava sendo refletido… A casinha à beira do banhado, com árvores atrás e um gramado coberto de florezinhas amarelas ao lado… é lá que eu gostaria de morar… lá o tempo parece não passar. Tudo era tão meigo, e ao mesmo tempo tão perturbador.
E enquanto o mundo lá fora parecia sorrir a cada detalhe, o mundo a 80km/h estava um verdadeiro caos. Para variar, o ônibus estava lotado. Pessoas de pé, equilibrando-se a cada curva da estrada. Nos bancos ao lado do nosso (eu + minha irmã), havia um casal com uma menininha que a princípio parecia ser meiga, calma, dócil… (tudo é perfeito a priori). Mas lá pelo meio da viagem ela resolveu ser criança. Gritava, um misto entre “mãe” e “ai” (okay, talvez fosse apenas ‘aaaaaaaaaaaahhh’ disforme), e se escondia embaixo do banco. Sabe-se lá o que passava na cabeça desse ser, mas talvez ela estivesse imaginando que debaixo do banco havia uma caverna assustadora e escura, um lugar para onde ela não queria ir, mas que o sacolejo do ônibus a impedia que não fosse. Demorou um bom tempo para que os pais da criança percebessem que talvez a criança estivesse pedindo desesperadamente que a resgatassem, e a tirassem da entrada da caverna antes que a escuridão a sugasse. Depois de um tempo, voltou a reinar a calmaria. Mas daí metade do ônibus já tinha deixado de dormir com os gritos estridentes da garota, e outra metade (eu! eu!) abandonara a leitura para poder apreciar melhor o momento. É uma experiência surreal sair do meio de uma descrição de cultos de Candomblé no Brasil, por Umberto Eco em “Viagem pela Irrealidade do Cotidiano”, para voltar ao mundo real e perceber que a viagem que se está fazendo é completamente doida (dentro e fora do livro).

[inclua aqui um espaço temporal de uma noite, uma madrugada e uma manhã, recheado de baboseiras da vida cotidiana, como jantar, dormir, acordar e almoçar…]

Já depositei meu voto (direto, secreto, universal, personalíssimo, e tudo o mais que diz no artigo 14 da Constituição Federal) no referendum. Espero que o meu candidato ganhe! 😛 (apesar de eu ser completamente contra esse referendo — aliás.. por que eu votei? Por que resolvi encarar mais de 6 horas de viagem para votar em algo inútil?) — E, como diz a Veja de daqui alguns dias (é bizarro recebê-la em casa antes das bancas)…. acabou a brincadeira. Agora vamos falar sério: o que pode ser feito para de fato reduzir a criminalidade no país?

— Daqui a pouco pego meu ônibus de volta. Torçam para que a viagem seja irreal. No livro ou no mundo à minha volta.

Marcadores:

Dilemas morais II

Um dos palestrantes de ontem de noite (o da visão teológica, provavelmente) propôs sem querer um problema bem interessante para aplicar a teoria dos jogos.
Digamos que você esteja com um revólver carregado (esse exemplo seria duplamente ilegal no mundo feliz da vitória do SIM, mas tudo bem) e resolva atirar contra uma porta. Aí um amigo seu, em quem você confia plenamente, vem e diz estar seguro de que há uma pessoa atrás daquela porta. Você está prestes a desistir de atirar quando outro grande amigo seu vem e diz que, na verdade, não há ninguém atrás da porta, e o que o outro viu foi apenas uma sombra. Você confia plenamente nos dois. E aí, você atira ou não atira contra a porta? 😛
Estamos então diante de 4 possibilidades de desfecho. Você pode atirar e ter alguém (-1), atirar e ser uma sombra (+1), não atirar e ser uma sombra (0) ou não atirar e ser alguém (+1).
O somatório nos mostra que é preferível não atirar (+1) do que atirar (0). Legal, não? Agora, alguém me explica o que isso tudo tem a ver com o aborto?! 😛

Dúvidas sarcásticas à parte, esse Simpósio de Bioética foi bastante interessante. Valeu a pena sair da cama no sábado de manhã tão cedo. Apesar de o debate não ter podido ser pleno — faltou, em ambas as oportunidades, alguém que fosse radicalmente a favor dos temas abordados –, teve ao menos a relevância de ser qualificado. Tanto o aborto quanto a eutanásia são questões complexas que não envolvem apenas as pessoas diretamente envolvidas (mãe e filho no primeiro, paciente terminal no segundo).
No caso do aborto, até que ponto a autonomia da mãe pode sobrepor-se à autonomia do filho? Desde que momento um ser humano é considerado humano e goza de direitos? Acabei me convencendo que o ideal é analisar o caso concreto. Eu sou radicalmente contra o aborto, jamais o realizaria. Mas não posso tirar o direito de alguém fazê-lo, principalmente nos casos de aborto sentimental (casos de estupro) ou anencefalia (aliás, nunca tinha visto uma foto de feto anencéfalo antes… é assustador… não sei como eu imaginava que fosse antes — talvez com uma cabeça normal, mas oca — mas ver um ser quase humano com uma cabeça pela metade foi uma experiência chocante).
No caso da eutanásia (e suas diversas variantes, que, no fim, são tudo a mesma coisa), também acho que vai sempre depender da análise do caso concreto. Eu não gostaria de ter minha vida abreviada. Por mais que se possa vir a sofrer com procedimentos médicos degradantes, é vida. Não se está atenuando um sofrimento, pois a pessoa não sentirá alívio — e sim morrerá. Não sentirá mais nada. Não viverá. Ponto. Mas não posso impedir que alguém que prefira a morte à vida deixe-se morrer em paz.
Enfim, ambas as questões são muito controversas. E somente um debate amplo na sociedade (papel da mídia!!) pode fazer com que as pessoas tomem suas decisões de maneira mais consciente. Só assim essas condutas extremas poderiam ser liberadas. Até lá, só proibindo e contando com o esclarecimento [supostamente parcial] do médico de cada caso (e com o amparo da lei para os casos mais extremos).

Marcadores:

Dilemas morais

Durante a palestra de hoje do “II Simpósio Sul-Rio-Grandense de Bioética” (pretexto pomposo para matar aula de Perspectiva Ético-Antropológica) eu só conseguia pensar em uma única questão fundamental:

O que o Snoopy faria em caso de morte cereBrown?

O tema dos debates era o aborto. Amanhã (também conhecido como “hoje de manhã”) vão falar sobre a eutanásia. É interessante ouvir diferentes pontos de vista acerca de temas tão controversos (início e fim da vida…) 😀

Sobre o nada

Até do nada é possível surgir algo:

“O nada terá sido uma espécie de animal indomável que a liberdade humana pressupôs, sempre que se sonhou absoluta.” (Luís Carmelo em Nove Aforismos de Nada)

Ação X Emoção

Acordou. Quis voltar a dormir. Bocejou. Relutou. Irritada, deu-se por vencida. Esfregou os olhos. Esticou os braços. Levantou. Deu dois passos. Suspirou. Desligou o despertador. Apreciou o silêncio novamente. Dirigiu-se ao banheiro. Abriu o armário. Bocejou. Pegou a escova. Colocou a pasta. Escovou os dentes. Enxaguou a boca. Foi até a sala. Abriu a janela. Viu o sol. Sentiu o vento. Sorriu. Caminhou até a cozinha. Colocou água e pó de café na cafeteira. Abriu a geladeira. Pegou os frios. Fechou a geladeira. Parou no balcão. Partiu o pão. Preparou um sanduíche. Voltou à geladeira. Guardou os frios. Ouviu a cafeteira apitar. Serviu uma xícara. Mordeu o sanduíche. Tomou um gole de café. E percebeu que era domingo…

—-

Ao abrir a janela, certa manhã, Lili sentiu-se renovada. Esperava ver um dia feio, nublado e cinza, como houvera sido os outros da mesma semana. Mas, para sua surpresa, quando abriu a cortina deparou-se com um maravilhoso dia de sol. Não era um dia quente, deveras, mas o solzinho tímido cismava em aparecer por entre as nuvens, e ninguém poderia tirar de Lili a idéia de que aquele seria um grande dia. Sentiu o aroma suave das flores. Ouviu o piar dos pássaros, há dias abafado pelo tilintar das chuvas. Era tão lindo ver o sol novamente que desejava secretamente que chovesse mais vezes, só para poder desfrutar novamente de momentos mágicos como aquele. Estava prestes a ter uma epifania quando lembrou-se de que precisava correr. Tinha acabado de acordar, e no entanto já estava tremendamente atrasada.

Conspiração

Parece idiota, mas no início do ano assinalei no calendário do meu celular a data de 20/10/05 (porque os números estão dispostos numa exata razão inversa de 2, e achei que era uma data bonitinha — esteticamente falado). Vinte do dez do cinco. O que será que vai acontecer quando estivermos na metade da segunda hora, naquele momento do seu primeiro e vinte e cinco centésimos de segundo…?

Harry Potter às avessas

Minha cicatriz do queixo tá coçando.