Mitologias

Aproveitei o feriado para [terminar de] ler o livro Mitologias, de Roland Barthes. Já havia lido, anteriormente, o capítulo final da obra, que fala dos aspectos formais de um mito (“Barthes’s understanding of myth is the notion of a socially constructed reality which is passed of as `natural’“*). O que me faltava era ler a primeira parte do texto, que é composta por diversas análises feitas pelo autor, no formato de artigos jornalísticos, acerca dos mitos que rondavam a sociedade francesa no período pós-2ª guerra mundial.

A obra está totalmente vinculada à realidade histórica vivida pelo autor (e, por vezes, sua leitura torna-se bastante cansativa, quase enfadonha). Alguns capítulos tratam de questões muito específicas, que possam não interessar a um leitor do século XXI. Entretanto, a grande parte dos textos é bastante interessante, apresentando assuntos ainda de relevância para os tempos atuais…

Um dos capítulos que mais me chamou a atenção é intitulado “Brinquedos“. Barthes faz uma análise bastante realista dos brinquedos com que as crianças brincam à sua época: “O adulto francês considera a criança como um outro eu; nada o prova melhor do que o brinquedo francês.” (…) “o brinquedo francês, de um modo geral, é um brinquedo de imitação [do mundo dos adultos], pretende formar crianças-utentes e não crianças criadoras.
Brinquedos assim fazem com que a criança perca a capacidade de abstração (altamente produzível com objetos arcaicos, como bonecos de madeira e argolas de metal), e com que sua hora de brincadeira acabe se tornando em uma verdadeira escola de “como ser adulto” (quem nunca brincou de cabeleireiro das bonecas, se menina, ou vivenciou o mundo dos transportes, se menino?). De certo modo, até mesmo brincando as crianças estão aprendendo a lidar com a vida adulta — ao invés de estarem desenvolvendo seu intelecto, o que seria importante para que essa mesma criança pudesse um dia resistir aos modelos pré-estabelecidos. A criança é preparada para aceitar a realidade futura, sem pensar em transformá-la. Aí reside o mito.
O mais curioso disso tudo é que o livro foi escrito entre 1954-1956. E até hoje, aparentemente, ninguém fez nada para mudar isso. Os brinquedos seguem sendo meras cópias miniaturizadas do mundo dos adultos, dando margem a pouca — ou nenhuma — capacidade de reflexão por parte das crianças.

Há outros capítulos interessantes na obra, como “Saponáceos e Detergentes“, “Marcianos“, “Gramática Africana“, “Conjugais” e “O Vinho e o Leite“.
À propósito de Conjugais, há uma passagem bastante curiosa. Ao falar de um casamento, Barthes descreve a noiva como “(…) bem sucedida, visto que tem o diploma do curso secundário e fala inglês fluentemente.” Hoje em dia, essa mesma moça teria que ter no mínimo o título de Mestre, 2 ou 3 empregos e falar uns 3 ou 4 idiomas para ostentar o título de “bem sucedida”… É… coisas dos tempos modernos…

* Obs: citação de Tony McNeill, em “Roland Barthes: Mythologies (1957)” — recomendo a leitura 😛

Marcadores:

Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *