Viagem em silêncio

Não sei se é porque fazia tempo que eu não viajava de ônibus (ou talvez eu tenha me tornado menos crítica com o tempo), mas o fato é que na minha última ida para Bagé achei que a viagem foi demasiado tranqüila.
Antes, parecia que o ônibus tinha o poder de reunir todas as categorias possíveis de pessoas chatas em um mesmo local. Crianças choravam histericamente, pessoas sem noção conversavam em altíssimo tom de voz, o veículo parava a cada quilômetro para pegar e largar gente. O resultado disso tudo é que se tornava praticamente impossível aproveitar a viagem para colocar a leitura em dia, e no fim eu gastava 6 horas da minha vida (tempo que leva para ir e voltar de Pelotas a Bagé de ônibus) sem fazer absolutamente nada – no máximo, ouvindo inadvertidamente absurdas conversas alheias.
A viagem deste fim de semana não foi assim. Levei um livro, como de costume. E tanto na ida quanto na volta me surpreendi com um ônibus morbidamente quieto. Nenhuma criança chorando. Nenhuma paragem desnecessária. Nenhuma conversa às alturas. Ao invés de aproveitar o tempo para ler (como seria de se esperar, afinal, o ônibus estava em silêncio), resolvi utilizá-lo para refletir. Fazia tempo que não reunia todas as condições (tempo livre, silêncio absoluto, inexistência de outra opção do que fazer) para estabelecer um diálogo com minha consciência – e a viagem serviu para que metas e prioridades fossem revistas e traçadas para a minha vida.
No meio disso tudo, percebi o quanto valorizo o silêncio. Quando eu morava sozinha (e apesar das inconveniências de se morar sozinha :P), eu gostava de poder estudar a hora que eu bem entendesse, sem que ninguém pudesse interferir na minha vontade. Parei de ver televisão porque eu me irritava com o barulho. Aprendi a apreciar os momentos – cada vez mais raros – de total inércia e solidão.
Hoje, não tenho essa total liberdade. Não que a minha irmã seja uma metaleira ou algo do tipo, mas, como toda mortal normal, ela assiste televisão e escuta música de vez em quando. Já não tenho total silêncio o tempo todo. Além disso, há outras atividades a desempenhar, outras coisas para se fazer… as horas dedicáveis a leituras ou estudos ficam cada vez mais escassas. E tenho ido cada vez menos a Bagé – o que em tese, exceto por hoje, se traduziria em menos tempo para ler e refletir. Acho que estou precisando de maiores doses diárias de silêncio. Por que o mundo é assim tão barulhento? Por que temos que ser produtivos o tempo todo?

7 thoughts on “Viagem em silêncio

  1. Vivemos hoje a ditadura da produtividade. Temos que ser rápidos, fortes, não podemos perder tempo. Temos que estar com a informação a nossas mãos, seja pela tevê, pelo computador, pelo celular ou por qualquer outra coisa que nos impeça de ter um segundo sequer de paz e silêncio.

  2. gostei do seu blog, o conheci por causa do w1zard grande amigo.Bom li seu post e posso dizer que reflito as vezes que venho de ônibus trabalhar, 1hora +/- .vc já pensou em e sai sozinha sem rumo em algum parque ecologico adoro fazer isso 🙂

  3. Guigo: Excesso de informação complica a nossa vida, ao invés de facilitá-la…Rafael: Valeu pela visita 🙂 Já saí muitas vezes sem rumo, mas nunca em um parque ecológico… gostei da idéia, deve ser bom para refletir 🙂

  4. Excesso de informação complica a nossa vida… mas complicado mesmo é fugir disso. Cumprir com as obrigações e conciliar tantas coisas, em tão pouco tempo. Mesmo que os dias tivessem 36 horas, eu ainda dormiria apenas 5 e continuaria achando que falta tempo.Acho que preciso organizar melhor meu tempo.Preciso de um tempo off-line para refletir, sobre tanto.

  5. ah, não sei se vc está a par do assunto, mas só por desencargo de consciência.segue link para um artigo na IDG Now! sobre a neutralidade na web. Parece que estamos perdendo essa para os peixes grandes.

  6. 2 frases:”Até no silêncio, e com o silêncio, dialogamos””A vida é uma viagem, passagem só de ida. Há quem diga que não vale, há quem mate pra viver. A vida é uma viagem, bebida sem gelo. Engolida às pressas, às vésperas da sede”Adorei teus posts 🙂 temos 3 coisas em comum: Direito, jornalismo e muita, muita vontade de escrever!um abraço!

  7. Cara Gabriela este é o mundo no qual estamos vivendo.De certa forma me surpreende que uma pessoa jovem como você que já nasceu em uma época de correria total, onde parece que sempre falta tempo para realizarmos nossas tarefas, sinta também esta necessidade de tirar o pé do acelerador e por momentos deixar-se levar pela contemplação do silêncio,encontrando a paz em simplesmente “viajar” por pensamentos livres e descompromissados.Vejo que não é só comigo, que tenho bem mais idade do que você e já conheci épocas mais calmas,que isso acontece, sinto muita vontade de parar um pouco em algum lugar silencioso para por as idéias em ordem.Um abraço!

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