Do inimaginável ao real

Do epílogo do livro “A inteligência coletiva”, de Pierre Lévy:

O possível é aquilo que não parece impossível, mas que não leva em conta as condições presentes, e sim as condições que não contrariem a lógica ou as leis físicas. Já o factível é aquilo que é possível levando-se em conta as condições presentes de transformação. Nesse contexto, o desenvolvimento da técnica tem por função diminuir a distância entre o possível e o factível (o que era possível há alguns anos atrás pode se tornar factível quando um determinado instrumento técnico passa a permitir que algo que era antes apenas considerado apenas como possível seja de fato realizável). A esfera do factível envolve tudo aquilo que pode ser transformado em algo concreto e real, a partir dos recursos tecnológicos que se dispõem em determinada época, em determinado lugar.
A ciência amplia a esfera do possível. O desenvolvimento científico torna o impossível possível (e os instrumentos técnicos levarão o possível ao factível, e a ação humana transformará o factível em real). O impossível também pode ser tornado possível em uma obra literária de ficção científica. Nesse caso, trata-se de um real ficcional: o impossível torna-se possível, factível ou até mesmo real dentro da perspectiva daquela obra. Fora da obra, será novamente considerado impossível.
A cultura, por sua vez, permite que se faça deslocamentos da esfera do inimaginável ao imaginável. E o pensamento permite que se vá do inimaginável ao imaginado (algo só será imaginado após ter sido cogitado pela primeira vez em nosso pensamento…). O inimaginável não existe, talvez apenas em potência: é preciso imaginar alguma coisa, é preciso pensar que algo é possível, para que esse algo saia da esfera do inimaginável e parta para a esfera do imaginado (para então poder adentrar na esfera do possível, do factível, e assim por diante).

Desse modo, o caminho para que algo seja realizado é:
– Pensamento, que leva do inimaginável ao imaginado;
– Cultura, que leva do inimaginável ao imaginável;
– Ciência, que leva do imaginável (mas impossível) ao possível;
– Técnica, que leva do possível ao factível;
– Ação humana, que leva do factível ao real.

Lévy (1999) desenvolve esse caminho não em uma cadeia linear, mas em um movimento espiral, que vai do inimaginável ao real. No contexto da obra, esse caminho é apresentado para mostrar que a inteligência coletiva não é, de fato, uma utopia. Ela se torna possível a partir do momento em que o desenvolvimento científico permite que se desenvolvam ferramentas capazes de levar o que antes era um sonho ao campo do factível.
Para que algo se torne possível, o primeiro passo é pensar. Qualquer coisa pode se tornar possível a partir do pensamento.
As ferramentas técnicas estão aí. O ciberespaço está em pleno desenvolvimento, as novas tecnologias permitem interação entre os indivíduos em tempo real. O que falta para que essa parafernália toda passe a ser usada para a construção coletiva do saber? A chave para isso tudo talvez esteja na ação.

“O papel da informática e das técnicas de comunicação com base digital não seria ‘substituir o homem’, nem aproximar-se de uma hipotética ‘inteligência artificial’, mas promover a construção de coletivos inteligentes, nos quais as potencialidades sociais e cognitivas de cada um poderão desenvolver-se e ampliar-se de maneira recíproca” (1999, p. 25)

Referência:
LÉVY, Pierre. A inteligência coletiva – por uma antropologia do ciberespaço. 2. ed. São Paulo: Edições Loyola, 1999.

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