Não entendo por que as pessoas ficam tão entusiasmadas a cada ano novo. Em tese, há apenas uma mudança de calendário. Na prática, as segundas-feiras tediosas de trabalho continuarão a ser segundas-feiras tediosas de trabalho. A grande diferença é ter que se acostumar a colocar um sete ao invés do seis ao final da data em cada página, em cada texto, em cada anexo, em cada e-mail, em cada fax, em cada folha. Fora isso, muito pouca coisa muda. Fisicamente, há a mudança de calendário. Essa tarefa pode ser particularmente complicada para pessoas que possuem vários calendários de papel, dos mais variados formatos e estilo em sua casa – desde o clássico ímã de geladeira com as folhinhas que vão sendo removidas à medida que os meses vão passando, até o grande calendário promocional de parede. Há também aqueles calendários triangulares que se costuma colocar sobre a mesa. Uma solução para isso seria se adotar calendários multianuais. A troca continuaria a ter de ser feita. Mas em espaços temporais bem mais distantes um do outro.
Outra mudança diz respeito ao fato de que estaremos ainda mais próximos de completar mais um ano de vida. A mudança de ano tem o poder de constatar a passagem inexorável do tempo. A cada ano ficamos um ano mais velhos, um ano mais distantes do instante do nosso nascimento e um ano mais próximos do final – embora não se tenha como saber quando é esse tal de final.
Também pode acontecer, a cada dois anos, e por conveniência da troca de ano no calendário, a troca dos governantes no poder. Este ano teremos uma nova governadora. O presidente continuará o mesmo. Daqui a dois anos muda o prefeito da cidade. E assim por diante e sucessivamente. Mas essa mudança não precisaria ser feita exatamente no primeiro dia de um novo ano. Apenas é feito assim por conveniência e praticidade – ora, faz sentido iniciar o ano com uma estrutura de governo inteiramente nova. Pra que mudar em julho deste se se pode mudar em janeiro do próximo ano?
Nos países do hemisfério sul, a mudança de ano também corresponde a uma mudança de ano no calendário escolar. Ano novo, nova série. Em faculdades isso geralmente não acontece porque a estrutura curricular é semestral, e, mesmo nas que são anuais, muitas instituições permitem o ingresso no meio do ano. Mas nas escolas, sim. E como passamos cerca de onze anos na escola, trata-se de um fato bastante relevante. Mas e o que dizer do pessoal que vive no hemisfério norte? Por lá, as escolas costumam ter o começo do ano letivo no meio de um ano para terminar no meio do ano seguinte. Será que por lá o ano novo não deveria ser comemorado no meio do ano? Não, porque as escolas seguem na verdade o ciclo de estações do ano. Aqui no Brasil é apenas uma fatídica coincidência que a cada ano corresponda a um novo período escolar. Poderia ser diferente.
Mesmo que na prática não haja muita diferença na mudança de um ano para outro, o grande reflexo disso tudo pode ser percebido na atitude das pessoas. São as pessoas que fazem com que a mudança de ano seja um grande acontecimento. E assim, costumam projetar grandes expectativas com relação ao ano que se inicia, mesmo que, em tese, nada seja diferente do ano que recém termina. Todos traçam metas improváveis, criam planos mirabolantes, planejam o impossível, na esperança vã de que o ano novo represente uma nova vida. O que se cria é uma estrutura artificial, um ano novo fictício. Mas ao final do ano seguinte essas mesmas pessoas constatarão, resignadas, que nada mudou. Tudo continuou igual, e, por isso, projetam no ano seguinte aquilo que não conseguiram realizar no ano que está por terminar. E o ciclo continua. E a cada ano se comemora a chegada de um novo ano, como se a mera mudança no calendário fosse capaz de nos trazer um novo sopro de vida…
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