Viagem de ônibus

Os ônibus que fazem a linha Pelotas-Bagé-Pelotas são um tanto antigos e desconfortáveis. A maior parte deles possui ar condicionado. Alguns poucos possuem “ar condicionado digital” (aquele que a gente abre com o dedo: janela). Mas, mesmo quando o ar funciona, muitas vezes ele é insuficiente para refrescar todos os passageiros – principalmente nos dias quentes de verão. Além do ar, há o problema dos bancos. Os assentos são duros e reclinam pouco. Entretanto, no geral, o problema maior nunca é no ônibus em si, mas sim no modo como as pessoas se comportam dentro dele a cada viagem que se faça.

Ontem fiz uma viagem noturna (nada de livros, portanto). O trajeto era Pelotas-Bagé. Não havia crianças chorando, nem pessoas conversando em alto tom como se estivessem na sala de suas casas. Talvez porque fosse de noite, o silêncio reinava – não o tempo todo, mas durante boa parte dele. Ninguém sentou do meu lado durante a viagem inteira. Percorri os quase duzentos quilômetros que separam a casa dos meus pais da cidade onde vivo a maior parte do ano com o banco ao lado de mim totalmente vazio. Em tese, isso é bom. Como legítima anti-social, não precisei me sentir culpada por não cumprimentar o estranho do assento ao lado, ou não tive de ficar me remoendo por horas por não ter sequer virado o rosto para o lado quando algum ser de fisionomia duvidosa perguntasse se o lugar ao meu lado estava vago.

Mas mesmo que a viagem na maior parte do tempo estivesse tranqüila, sempre há ressalvas. Em um dos raros momentos em que havia sinal de telefonia celular ao longo da estrada, uma passageira conversava com sua mãe ao celular, pelo odioso sistema de conversa de três segundos. O toque do aparelho era incrivelmente alto e irritante. E, para piorar, cada vez que a mãe ligava, a jovem apenas repetia “Fala, mãe”.

Além disso, toda vez que percorro o trajeto Pelotas-Bagé me pergunto de onde saem tantas pessoas que moram na beira da estrada. Quase todos os ônibus que percorrem essa linha intermunicipal o fazem na modalidade “comum” (o vulgo “pinga-pinga”), o que faz com que o carro tenha que parar em todo e qualquer ponto da estrada onde haja passageiro para subir ou para descer. Em tese, não há diferença nenhuma entre o ônibus comum e o direto: ambos costumam percorrer o exato mesmo trajeto. O que muda na prática é o tempo em que a distância será percorrida e o fato de que no ônibus comum se torna praticamente impossível de se fazer qualquer atividade como dormir ou ler, pois quando se vai começar a pegar no sono, ou quando se está prestes a terminar um parágrafo do texto, o ônibus pára de repente e joga nosso corpo para trás. O resultado é que somos forçados a encontrar outras maneiras de escapar do tédio, como conversar ou pensar. Geralmente (quase sempre) opto pela segunda opção, o que me permite dizer que já tomei muitas decisões importantes durante viagens de ônibus, por mais estranho que isso possa parecer.

Enfim, fazia tanto tempo que eu não percorria esse trajeto (ou qualquer outro trajeto) de ônibus que já tinha até me esquecido o quanto uma viagem (no sentido físico da palavra – ação ou efeito de percorrer uma distância) pode ser inspiradora. Isso de ser forçado a conviver com pessoas estranhas, com opiniões divergentes e ações discrepantes, em um espaço físico restrito e por um período de tempo limitado, pessoas cujo único ponto em comum seja o desejo de chegar a um determinado lugar, é capaz de despertar os mais diversos e conflitantes pensamentos. Nada como viver uma situação absurda para voltar a ter vontade de criar. Viajar de ônibus era o que eu precisava fazer para voltar a postar 😛

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3 thoughts on “Viagem de ônibus

  1. Podias tirar a parte do anti-social, dar uma melhorada e enviar como artigo para os jornais daí de Bagé. Alguém mais deve pensar que nem tu nessa questão do pinga-pinga.

    Ahh, adorei o ar condicionado digital. Por que não patenteias? :p

    Agora, começo a ver o sufoco que teve que passar! valeu 😉

    té Gabi 😉

  2. auhauahuahauhauahuha… digital foi óootemaa!Sei bem como são essas viagens de ônibus. E também compartilho a parte do ‘anti-social’. Sem vergonha nenhuma em assumir…rs

  3. Eu já conheci um jogador de futebol num trajeto São Paulo – Franca, e diria que ampliei um pouco meus conhecimentos futebolísticos. Da viagem poderia nascer um grande amor, mas – por um medo, ou uma intuição – dei o número do meu telefone errado ;)coisas que acontecem, e me fazem pensar que há mais de mil destinos nos esperando em cada banco. 😀

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