Legislação de efeito analgésico

Votar na comoção do momento não vai resolver o problema da criminalidade no país. Desde a morte do menino João Hélio, há uma semana no Rio de Janeiro, nove projetos ligados à área penal foram “desengavetados” no Senado. A maior parte deles versa sobre aspectos processuais penais. Apenas dois almejam alterar a legislação penal em si, e ambos no mesmo ponto, o que os torna excludentes entre si: um prevê a progressão de regime para crimes hediondos após o cumprimento de 1/3 da pena. O outro prevê progressão para o mesmo caso após 2/5 da pena. Ambos procuram se situar em um meio termo entre a total impossibilidade de progressão (prevista inicialmente na lei de crimes hediondos, mas aos poucos abandonada por total negação de ressocialização do condenado) e a progressão padrão do Código Penal, que permite ir do regime fechado ao semi-aberto após o cumprimento de 1/6 da pena.

O regime semi-aberto é a fase intermediária de cumprimento de uma pena privativa de liberdade. Nele, o preso tem a possibilidade de sair do presídio para trabalhar ou estudar durante o dia, mas tem a obrigação de voltar à noite e nos fins de semana. Em uma condenação hipotética a 30 anos de prisão, pelas atuais regras da execução penal, o preso por crime hediondo tem direito de ir do regime fechado ao semi-aberto após o cumprimento de 1/6 da pena, ou seja, após 5 anos. Pela primeira proposta de alteração da lei, a progressão se daria após 1/3 do cumprimento da pena, ou seja, após 10 anos. Pela segunda proposta, a progressão só se daria após 2/5 da pena, em 12 anos. Qualquer das alternativas parece mais branda que a total impossibilidade de progredir, mas mais rigorosa que a situação atual permitida.

Um outro projeto recém iniciado (e que portanto ainda terá muito caminho pela frente até que vire lei) foi suscitado diretamente pela morte do garoto. Trata-se de uma PEC (Proposta de Emenda Constitucional) propondo a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos se os crimes cometidos forem hediondos ou equiparáveis a hediondos (como tortura e terrorismo).

O que deve ser observado é que qualquer tentativa de apressar a aprovação desses projetos de lei pode ser prejudicial. Criar leis como (pretensa) solução pontual a problemas específicos nem sempre se mostra uma boa solução a longo prazo. Entretanto, a edição de uma nova lei cria um efeito analgésico sobre a população, e ajuda a dissipar a sensação de impunidade, embora na prática tudo continue o mesmo. Mas de nada adiantará alterar a lei se os recursos estruturais necessários para aplicá-la não forem providenciados, como aumentar o número de juízes, contratar mais policiais e ampliar a capacidade carcerária do país. Do contrário, haverá cada vez mais gente apta a ir para um presídio convencional, e o excedente impune será percebido nas ruas – ou nas rebeliões de presídios superlotados.

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2 thoughts on “Legislação de efeito analgésico

  1. não é ser insensível quanto ao caso, mas, como estava comentando com um colega de apartamento ontem:sempre tem um crusador espacial tentando destruir o planeta.realmente é triste o que aconteceu. mas não é a primeira nem a última vez que isso acontece. e todo mundo sabe que não se toma decisões de “cabeça quente”, seja qual for.

  2. Acredito que aumentar número de juízes, melhorar a Justiça, aumentar número de policiais e a capacidade carcerária são medidas importantes e urgentes para combater a criminalidade crescente. Mas a verdadeira medida que tornará isso tudo obsoleto é diminuir a desigualdade social, melhorando a distribuição de renda. abcs

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