A arte de reconhecer um erro


Errar é umano. Mesmo assim, espera-se da imprensa que haja um alto nível de precisão nas informações divulgadas. Erros – especialmente aqueles que são cometidos e não reconhecidos – atingem em cheio a credibilidade de uma publicação.
O impacto de um erro é amenizado quando esse erro é reconhecido. É por isso que os jornais impressos e as revistas costumam trazer pequenos quadradinhos em cantinhos obscuros de suas publicações informando os erros cometidos em edições anteriores. Na Internet, o processo se torna ainda mais fácil, pois, além de ser possível ter uma página ou seção apenas para apontar os erros e suas respectivas correções, o próprio texto errado pode ser corrigido.
É a partir dessa possibilidade de correção que surgiu o blog Regret the Error. Criado em outubro de 2004 pelo jornalista Craig Silverman, o blog traz uma seleção de correções, retratações, pedidos de desculpa e esclarecimentos com relação à acuidade e honestidade na mídia. Em entrevista ao Poynter Online, Silverman conta que dedica de uma a três horas por dia a seu blog. Para encontrar material, ele visita as seções de correções de erros dos principais sites de língua inglesa, e conta com a colaboração do público.
Segundo ele, os erros mais comuns são de digitação em nomes e títulos (como o que pode ser visto neste post aqui, do Gilberto), números ou cálculos errados (como no caso de fazer conversões de moeda de forma equivocada) e equívocos em identificar quem disse ou fez algo. “A grande maioria dos erros factuais são acidentais. Sabemos ou podemos facilmente obter a informação correta, mas algo dá errado em algum ponto do processo de coleta, escrita, edição e produção”, diz Silverman. E pondera: “Posto de forma simples, erros afetam a credibilidade. O público percebe os erros, e eles notam quando nós não os corrigimos”. Atitudes simples, como ensinar os jornalistas a reconhecer os próprios erros (visto que é imposssível querer exigir de alguém a perfeição total) podem ajudar a acabar com o tabu do erro nas redações.

Após visitar o Regret the Errors, resolvi ir em busca de correções de notícias em sites brasileiros. Não fui muito a fundo em minha busca, mas encontrei seção de correção de erros em pelo menos três grandes sites: Uol, Terra e Folha Online [o que é ótimo; sinal que os três sites estão preocupados em corrigir seus erros – entretanto, nem todos os sites possuem espaço para correções e, dentre os que têm, nem todos são tão rápidos quanto gostaríamos]. A Folha Online ainda vai além – o site apresenta uma Antologia do Erramos, que apresenta uma seleção de correção de erros da edição impressa do jornal Folha de S.Paulo desde 1991. A idéia é que divulgar esses erros possa servir para evitá-los em outras oportunidades.
Segue abaixo uma seleção aleatória de erratas recentes nos três sites:
Folha Online – Erramos
Tráfico X Tráfego
“Diferentemente do publicado na reportagem “Pequim tem mais de mil novos carros por dia” (Ambiente – 14/01/2008 – 11h43), o tráfego de automóveis está em crescimento, e não o tráfico. O texto, produzido pela agência Ansa e reproduzido pela Folha Online, já foi corrigido.”
SMS X MSN
“Diferentemente do informado no texto Multinacional acusa Rede TV! de violação de direito autoral (15/11/2007 – 12h40), os lances do programa “Lance Perfeito” podiam ser feitos via SMS, e não MSN. A informação foi reproduzida do site do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, onde consta a descrição do processo. O texto já foi corrigido.”
Década X Século
“Diferentemente do que foi publicado na reportagem Blog relata aventuras de soldado da Primeira Guerra Mundial (07/01/2008 – 16h26), o leitor do blog tem a mesma sensação que a família de Harry tinha há quase um século, e não há quase uma década. O texto já foi corrigido.”
UOL – Erros [reparem na quantidade de erros corrigidos na editoria de Esportes!]
Esporte: Kenenisa Bekele é homem
“A reportagem “Etíope vence Meeting de Edimburgo pela 3ª vez e se vinga de rival” informou incorretamente que Kenenisa Bekele era mulher. Na verdade, o atleta é homem. O erro foi corrigido.”
Esporte: Sport é de Pernambuco
“A reportagem “Cruzeiro acerta novo empréstimo de Carlinhos Bala ao Sport-PE” informou incorretamente que o Sport era da Parabíba (PB) (sic). Na realidade, o time é de Pernambuco (PE). O erro foi corrigido.”
Ciência e Saúde: México não faz parte da América Central
“Diferentemente do publicado na reportagem “Um terço dos latino-americanos com HIV vive no Brasil, diz ONU“, da AFP, o México não faz parte da América Central. O texto já foi corrigido.”
Terra – Correções
Doadores X receptores
“Ao contrário do que foi publicado anteriormente pelo Terra na notícia Órgãos de homem morto em SP vão para 7 receptores , no dia 2 de janeiro de 2008, às 22h54, os órgãos de Ed Carlos do Amaral, 39 anos, morto durante uma tentativa de assalto em Camburi, litoral norte de São Paulo, no dia 31, serão doados para sete receptores e não doadores. A informação foi corrigida no mesmo dia, às 23h28.”
Itaririri
“Ao contrário do que foi publicado anteriormente pelo Terra, na notícia SP: chuva dificulta retorno a residências alagadas, no dia 15 de janeiro de 2008, às 9h13, o nome correto da cidade é Itariri e não Itaririri. A informação foi corrigida no mesmo dia, às 9h38.”
Estupro X Atentado violento ao pudor
“Ao contrário do que foi publicado anteriormente pelo Terra na notícia OAB: doente mental foi violentado em prisão do PA, no dia 29 de novembro de 2007, às 16h27, o adolescente de 16 anos, com deficiência mental, foi violentado e não estuprado por vários presos. Só é considerado estupro a relação forçada entre homem e mulher. A informação foi corrigida no mesmo dia, às 17h05.”

Em tempo: caso não tenha ficado claro: sim, o erro da primeira frase do post foi intencional. Mas está lá só para tentar ilustrar o quanto um erro fica menos bizarro quando o veículo que erra se retrata… 🙂

10 thoughts on “A arte de reconhecer um erro

  1. Herrar é umano sim, mas eu noto no comportamento da média dos jornalistas brasileiros uma relação pior que do demônio com a cruz com o erro. Seja acidental ou não, o que é pior. Me informo hoje via blogs, internet, programas de rádios fadadas a durarem 2 semanas, mas nunca em profissionais já estabelecidos. Há uma briga com a notícia, com o fato e honestamente Gabriela, essas 3 ferramentas de busca de erro são pra inglês ver. A imprensa brasileira séria hoje é a não oficial, talvez a minha implicância pelo fato dos três exemplos exemplos de sites brasileiros que tentam com alguma vontade mostrar seus erros, sejam sites de grupos de comunicação com intenção de fazer várias coisas, menos comunicação. Talvez essa implicância que eu tenho com eles, me faça achar as ótimas atitudes deles boas as boas médias e por fim as médias, ruins. Mas a imprensa brasileira, via de regra, se trata como eminência parda do acontecimento. É impressionante a falta de jornalistas que simplesmente não sabem que o jornalista tá nessa história toda, só pra contar a história, ele é o observador, ele não participa. Pra ser o participador de coisas que estão muito além daquilo que se passa no teu cotidiano e não pirar, precisa ter uma cabeça muito boa. E raros tem, a idéia de ” sou infalível ” atinente a muitos jornalistas acaba por embutir como princípio que eles não erram, nunca, e quando erraram é por que estavam enganados.

  2. Pois é, a realidade nos mostra que a mídia tradicional ainda reluta em reconhecer seus próprios erros. Há uma espécie de tabu, como se errar [ou reconhecer o erro] fosse um atestado de falta de credibilidade. Mas erros acontece. É mais sensato tentar aprender a conviver com eles do que ignorar que eles aconteçam…
    Lembrei agora daquele clássico caso da fotomontagem publicada na home do UOL. O UOL se viu praticamente obrigado a se retratar, dada a repercussão que o caso alcançou nos blogs. O jornalismo cidadão foi condenado? Não, pelo contrário. O caso serviu para reforçar a importância do papel do jornalista profissional, aquele que se pauta pela ética da profissão e deve, sempre, checar os fatos – não é porque um leitor enviou uma pauta pronta que se deve simplesmente publicar, sem verificar a veracidade dos fatos. Erro alheio não exime o veículo da responsabilidade.

  3. Há! Muito bom! Incrível como erram quando o assunto meio artístico. É a tal história: de tanto ler a respeito, todo mundo pensa que sabe tudo de memória, não se dão mais ao trabalho de checar o mínimo. E aí…

  4. Episódio histórico de erro e erro brasileiro….
    Ranzolim x Felipe Vieira. Eleições municipais 1996, o computador do TRE dava a vitória pro Pepe Vargas do PT, o repórter Felipe Vieira, hj na Band anuncia a vitória de Pepe. Os números da “estatística” da Rádio Gaúcha, direto do estúdo da Gaúcha, conduzida ( no seu departamento de rádio jornalismo ) chefe e âncora no estúdio, anunciando a reportagem….. Ranzolin nos estúdios dava vitória de José Ivo Sartori, PMDB e sócio do grupo RBS, dono da Rádio Gaúcha. Felipe Vieira, ao vivo no TRE de Caxias com os resultados oficiais proclamados dando a vitória ao Pepe anuncia o resultado, corrigindo o chefe. Aqui tem um furo do tendencionismo da RBS, notadamente anti-PT nos anos 90, e também uma marra insuportável pra não assumir o erro. Os dois bateram uma boca violenta no ar, quem ouviu não esquece. Resultado, tantas outras vezes o orgulho também dá lugar pra safadeza e nesse caso, elas se misturaram. Menos mal que o Felipe Vieira teve a decência de não se curvar perante o chefe ( ah foi demitido nos dias que se seguiram ).

  5. Este artigo é genial! Leio sempre as erratas do Lost Angles Times 😉 e sei que cometo erros tenebrosos, os quais de vez em quando coloco em post. É a pressa; não é venial.

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