Monthly Archives: December 2005

Protesto divertido

Em Biritiba Mirim-SP, por conta da proibição de construir novos cemitérios (89% da área da cidade fica dentro de áreas de proteção de mananciais), o prefeito teve de encontrar uma saída inusitada: encaminhou um projeto de lei à Câmara Municipal estabelecendo que é proibido morrer na cidade. E o mais absurdo de tudo: os infratores deverão responder por seus atos! Para garantir a aplicação da lei, o projeto estatui que “Os munícipes deverão cuidar da saúde para não falecer”. (Não seria mais simples apelar para a construção de túmulos acima do solo? :P)

Esse é só mais um exemplo escracho da hemorragia legislativa do Brasil. E também representa uma nova função do Legislativo: chamar a atenção. Ainda bem que estados e municípios não podem criar sanções penais! (Embora fosse ser divertido poder punir os infratores da lei da proibição da morte com, sei lá, pena de morte? — condenar a permanecer vivo ia ser meio tosco; ordenar a ressurreição, então, nem se fala…).

O flamingo diferente

[Da série: “Amores impossíveis”; outra historinha envolvendo um animalzinho toscamente antropomorfizado e um romance absurdo… :P]

      Nas águas pantanosas de um lago qualquer de uma ilha perdida no meio do Oceano Pacífico vivia Fred, um rapaz meio retraído, bastante tímido, e com tendências à introversão. Na verdade, Fred era um flamingo autista, que vivia fechado em si mesmo, em um mundo próprio, onde as coisas adquiriam significações peculiares. O motivo de tamanha retração devia-se ao fato de que Fred era um pouco diferente dos demais: enquanto seus companheiros era todos brancos ou rosa (conforme a intensidade e a qualidade de suas plumagens), Fred era completamente verde.
      Como se não bastasse o fato já suficientemente embaraçoso de ser gago, Fred ainda precisava conviver com as piadinhas de mau gosto dos outros. Como uma forma de defesa, ele se fechava cada vez mais em si mesmo. Mas mesmo assim a opinião alheia ainda lhe atingia de certa forma (impossível mostrar-se indiferente à existência dos demais!). Ele vivia num constante sentimento de inferioridade, provocado pelas insinuações traiçoeiras de que era seguidamente alvo. Com o tempo, passou simplesmente a negar todos em bloco, e a se afastar das pessoas.
      Até que um dia o flamingo se apaixonou por um gerador de energia eólica solitário, estrategicamente posicionado ao lado do lago onde vivia. De início, Fred mostrou-se tímido, e tinha vergonha até de olhar para a turbina. Mas dentro de si borbulhava uma fervente paixão. Fred achava bastante sexy o murmurinho abafado emitido pelas pás de vento. Mas era só ele se pôr a pensar na turbina que algum peixe engraçadinho saltava no lago e exclamava:
      — Ei, Fred, não está maduro ainda!? — E todo o lago caía na gargalhada.
      Num instante, toda a confiança em si mesmo que vinha reunindo com seus pensamentos amorosos se esvaía… E ele voltava a ter pensamentos negativistas. Nessas horas, ele desejava conhecer Alice, para poder escapar para um mundo onde o absurdo fosse o normal, a exceção a regra, o particular o geral. Mas como nem só de induções era feita a vida, era preciso voltar e encarar o mundo real, e uma grande válvula de escape encontrada por Fred era pensar nas lindas pás de seu grande amor.
      Em um dia particularmente tranqüilo, Fred tomou coragem de convidar o gerador para sair. Não obteve resposta (só “uma dura e fria indiferença”, como descreveu em seu diário imaginário na ocasião) e se sentiu profundamente amargurado. Inicialmente, colocou a culpa da rejeição na diferença de altura entre os dois. E sentiu-se baixinho, ridiculamente baixinho. Depois percebeu que talvez a turbina, que parecia tão diferente, fosse de fato igual aos demais, e não merecesse sua (com)paixão. Ele sofria de amor. Durante dias, Fred olhava para a turbina e esforçava-se por sentir ódio (mas e o que é o ódio, senão uma forma invertida e absurda de amor?).
      Fred não tinha com quem conversar. Os outros flamingos o excluíam porque ele era diferente — “o esquisitão do lago”, diziam. E então Fred travava longos discursos com sua própria consciência, como uma forma de suprir todos os diálogos acalorados que nunca teve. Ele também criava amigos imaginários, conforme a conveniência. Quase todos eram flamingos como ele, mas de cores diferentes, e que o achavam “descolado” por ser verde.
      Em seu mundo, o flamingo verde seguia sendo diferente dos demais, mas era um diferente bom, difícil de explicar. Ele se sentia único, especial, diferente de no mundo real, no qual ele era constantemente zoado pela aparência por animaizinhos superficiais, incapazes de ir além do que está diante de suas vistas; incapazes de perceber que ali dentro, apesar da carcaça verde desengonçada, havia um cara sensível, um cara legal… Bastaria uma oportunidade!
      Às vezes Fred desejava ser um avestruz, para poder enterrar a cabeça na água e ficar com ela por lá, indefinidamente, sem sentir a necessidade de respirar; em outras oportunidades, desejava que tivesse a capa de invisibilidade de Harry Potter, para simplesmente poder viver sem ser incomodado (antes ser transparente do que verde — mas o importante para ele era o ser). Para esse flamingo simples, bastava que estivesse vivo para ser feliz. Prova disso é que Fred sonhava com um mundo em que todos os flamingos fossem coloridos, de todas as cores do círculo de Newton (se ele não gostasse de si mesmo, sonharia simplesmente em ser rosa). Mas ele preferia que o mundo melhorasse, que as pessoas mudassem, e que o preconceito acabasse. Ele era esperto o suficiente para saber que o problema não estava nele, e sim nos demais.
      Um dia, cansado de sua vida patética e infeliz, Fred tomou coragem e abordou sua paixão impossível outra vez. Não obteve resposta, mas estava disposto a arriscar. Reuniu forças sabe-se lá de onde, e partiu para cima da turbina: queria possuí-la à força; necessitava de amor. Agarrou-se a seu amor em movimento. Por alguns instantes, ele e as pás se confundiram, numa psicodélica mistura de verde desbotado com branco metálico. Vermelho, verde e branco. Vermelho, muito vermelho. Sangue. Respingos de sangue por todo o lago: Fred morreu enquanto girava nas pás eólicas — frenético de amor, até o último suspiro.
      Ao menos uma ilusão ele fora capaz de manter a vida toda… Morrera pela crença na possibilidade de um mundo melhor. E ninguém imaginaria que, afora todas as questões já consagradas do impacto ambiental da energia eólica, ela ainda fosse provocar o suicídio passional de um flamingo autista…

Incidente no aeroporto dos EUA

Isso tudo é paranóia por conta do terrorismo?

“O porta-voz não quis comentar relatos de que até dez tiros teriam sido disparados nem informações de que Alpizar sofria de problemas mentais.” (Folha Online, 08/12/05)

“As autoridades, porém, disseram que não há qualquer indício de que o incidente tenha associação com terrorismo. O mais provável é que o passageiro sofresse de algum tipo de distúrbio psicológico.” (Conesul News, 08/12/05)

Parece que a ordem agora é matar primeiro, verificar depois…
(…falando nisso, lembram do Jean Charles?)

Tadeu, o tamanduá

      Tadeu era um rapazote desengonçado. Ele tinha um corpo alongado, porém seus braços e pernas eram muito curtos, e contrastavam com o esquisito lombo gordo e esticado. Seus olhos eram cor-de-mel, e brilhavam sem cessar. Sua pele era de um tom incerto, entre o terra e o acizentado. Já não tinha mais dentes, e sua boca era grande e afunilada. Tadeu era um tamanduá, embora quase sempre lhe faltasse consciência disso.
      Às vezes Tadeu acordava, via o sol brilhando lá no alto, e pensava que ele mesmo fosse sol. E então saía a pular pela floresta, com seus braços e tromba estendidos, inutilmente tentando copiar o esplendor inimitável dos raios solares. Se passasse por um lago, via seu reflexo na água, e logo deixava de ser sol. Mas antes que pudesse assumir sua identidade tamanduá, Tadeu via uma pedra, achava que a pedra era ele e que ele era a pedra, e ficava imóvel o resto do dia na beira do lago, até que alguma boa alma passasse por ali e desfizesse o equívoco. E assim eram seus dias, com a variante de que às vezes acordava sentindo-se nuvem (para o caso de dias nublados), e não raras vezes sentia-se chuva (embora tivesse um instinto de sobrevivência aguçado e levasse pouco tempo para perceber que não deveria se jogar precipício abaixo).

      Lili, por sua vez, era uma jovem como todas as outras: tinha lábios carnudos e perigosos, um corpo escultural, com cinturinha fininha, bumbum arrebitado e nariz empinado. Para preservar um corpo desses, Lili vivia de dieta, e por isso só comia alimentos naturais (“tudo em nome de uma vida saudável”, dizia). Ela adorava passar batom vermelho em seus lábios bifurcados, e até pareceria uma adolescente normal, exceto pelo fato de que era uma formiga — e uma formiga adolescente bastante sonhadora.
      Lili era apaixonada por Tadeu. Não bastasse a impossibilidade metafísica de um romance entre os dois (a donzela e seu predador natural), havia também uma enorme diferença de tamanhos (sem falar na inquestionável incompatibilidade de gênios). Mas como toda garota apaixonada, ela não percebia os defeitos, e só tinha olhos para as qualidades de seu amor. Tadeu gostava da natureza, como ela. Ele era meio desengonçado, como ela. Ele gostava de cavar buracos, como ela. O que poderia dar errado? Lili achava meigo o jeitinho meio perdidão de Tadeu, e adorava quando o encontrava parado no bosque, fingindo ser o pasto ou uma árvore. Assim ela podia observá-lo por inteiro, e admirar sua beleza sem ser incomodada. Ela odiava o fato de que seus semelhantes não passassem de uma mera aglomeração de três bolinhas de massa corpórea, enquanto que Tadeu era aquele ser maravilhoso, de corpo íntegro e contínuo. Ela contava para as amigas de seus delírios juvenis, e todas suspiravam em uníssono. Como são patéticas as jovens apaixonadas!

      Pois, bem, tudo começou quando Lili, a formiga operária, e Tadeu, o tamanduá sui generis, viram-se pela primeira vez (sim, fora amor à primeira vista!). Um dia, ao ver uma formiga (Lili, Lili!), Tadeu achou que fosse uma delas, e tentou entrar no formigueiro. O resultado foi catastrófico, pois aqueles que não foram esmagados pelas patas do desastrado tamanduá, morreram pisoteados na hora em que todas as formigas tentaram fugir ao mesmo tempo, em pânico, com medo de serem devoradas (nem todos sabiam que Tadeu era tantã). E ainda teve uma meia dúzia que se suicidou: antes a morte digna, que morrer nas garras (na tromba) de um horripilante predador.

      Mas Lili achou tudo isso muito “fofo”, e, desde então, suspirava pelos cantos. Toda vez que via Tadeu, ora se fingido de ponte, ora agindo como um leão, a menina percebia que era com aquele tonto mesmo que queria passar todos os dias de sua vida.

      Lili começou, então, a seguir os passos de Tadeu, na esperança de que um dia ele a notasse (novamente). Ela nem se importava com a possibilidade de Tadeu confundir-se com ela: o que importava era que percebesse a sua existência.

      Em uma de suas andanças, Lili encontrou Waltz, o feiticeiro da floresta. Ele era um esquilo senil, mas muito esperto, que detinha conhecimentos de feitiçaria suficientes para transformar qualquer um no que quer que fosse. Muitos consideravam sua existência um verdadeiro mito, pois ninguém nunca o vira — ou então quem o encontrasse tratava muito bem de esconder o fato. Lili aproveitou a oportunidade para pedir alguns conselhos. Pediu ao sábio Waltz, o qual andava com o auxílio de uma bengala e usava pesados óculos de grau, que tornasse possível seu amor com o tamanduá. O esquilo pensou um pouco, coçou a cabeça, deu três ciscadas no chão, abriu uma noz que tinha no bolso e a saboreou tranqüilamente. Lili percebeu que ele tinha memória curta, e precisou repetir umas cem vezes o que queria, até que Waltz tomasse alguma providência. Foi preciso ter paciência com aquele velhote. Mas, por fim, Lili conseguiu o que queria: Waltz providenciou-lhe uma pílula de encolhimento, que dizia ser capaz de reduzir qualquer indivíduo ao mínimo de compactação possível, sem que perdesse sua essência. A formiga acreditou nas palavras do sábio, não tanto por ele ser quem fosse, mas pelo fato de que tudo aquilo estava escrito em um pesado livro empoeirado — o que reduzia os riscos de ser um mero devaneio de um velho gagá. Lili não ia arriscar ter de carregar uma rodela branca vinte vezes mais pesada que ela, para no fim descobrir que não surtiria efeito algum. Sua jovialidade impaciente exigia a certeza de que tudo daria certo.

      Com muita dificuldade, Lili conseguiu chegar em casa antes do anoitecer. Como o tamanduá morava não muito longe dali, contou com a ajuda de algumas de suas fiéis amigas para transportar o comprimido até a toca de Tadeu, que, felizmente, já se encontrava dormindo. Elas depositaram cuidadosamente a mercadoria próxima de sua tromba, e se retiraram em silêncio (embora a vontade de Lili fosse a de permanecer ali, indefinidamente, a admirar a beleza do tamanduá). No dia seguinte, Tadeu acordou e a primeira coisa que viu foi o comprimido. Acreditou ser o comprimido, e enrolou-se o tanto quanto pôde. Marcos, o macaco amigável, que por acaso passava por ali, resolveu espiar se Tadeu já tinha acordado e presenciou a bizarra cena de um tamanduá contorcionista. Marcos então chamou a atenção do amigo e, ao trazê-lo de volta a si (“você é um tamanduá… vamos! reaja!”, apresentando-lhe um espelho que trazia consigo) percebeu a existência do pequenino comprimido branco. Como não soubesse do que se tratava, sugeriu que o amigo o tomasse. E então Tadeu tomou o comprimido, mas não sem antes Marcos ter sofrido para convencê-lo de que Tadeu não era ele, que Marcos era outra pessoa, e que tamanduás não eram macacos, nem macacos, tamanduás. Assim que Marcos foi embora, Tadeu começou a sentir umas pontadas estranhas, algumas dores abdominais, e, em seguida, estava tão pequeno quanto um alfinete de patinhas e tromba. Estava meio transtornado, com a vista embaçada (achou por um momento que ele era de fato um borrão, tentou agir como um, mas não recordava como um borrão devia ser e voltou a ser tamanduá… mas daí já era tarde, pois naquele momento ele podia ser tudo, menos um tamanduá!). De volta a sua natureza tamanduá, decidiu-se por perseguir formigas. Andou, andou, e acabou chegando ao formigueiro.

      Enfim, Tadeu, o tamanduá, ficou do tamanho de uma formiga — e desde então ele é a formiga mais estranha do formigueiro. Lili achou sem graça tê-lo do seu tamanho, e se apaixonou pela força e garra de Léo, o leão (uma jovem necessita de amores impossíveis!). Tadeu, que desde a in
gestão do comprimido mágico só enxerga formigas, crê fielmente ser uma delas. E ninguém consegue tirar essa certeza de sua cabeça… (ou da delas…).

[inspirado no personagem Gurdulu de O cavaleiro inexistente :P]

Aleatoriedades

Decidi considerar hoje meu primeiro dia oficial de férias (não que os outros não tenham sido dias, ou que não tenham ocorrido antes…).

Poltronas verde-claro e verde-escuro alternadas em zigue-zague e cortinas de um tom indeciso entre o azul molhado e o verde adocicado. A constatação: é o ônibus mais bizarro em que já estive.

Viagem tranqüila: viagem sem graça. Preferia aquelas em que as crianças não param de gritar, os adultos não param de conversar, e todo o resto finge que tolera; tudo em nome da tal da con-vivência humana.

Sem distrações, tive de sabotar a leitura de “O cavaleiro inexistente“, de Italo Calvino, sob pena de ler o livro inteiro em uma única baforada — os livros bons não deveriam terminar nunca.

Em cada curva furiosa do ônibus na estrada, os trequinhos (palavra-curinga) de colocar os pés dos bancos adjacentes desocupados balançavam sozinhos: fantasmas viajantes?

Chegada em Bagé na hora certa. Esses ônibus das 14h estão cada vez mais civilizados — mais uns tempos e estarão até dando bom dia, e dizendo obrigado!

Depois de uma abstinência de, sei lá, 6 meses de televisão, decidi me auto-flagelar com 6 horas de programação direta — Viva a TV a cabo!

(Na falta de um bloquinho de papel, tomei nota no bloco de notas do Palm mesmo!)

Alguém mais já sentiu a necessidade de ter duas tevês, uma para cada olho? 😛

“Summer has come and passed
The innocent can never last
Wake me up when september ends”

Música legal. Banda legal. Clipe deprimente (depressivo? — “depressente”).

Controle sobre o controle remoto; controle sobre o mundo: trocar de país é tão simples quanto vestir um pijama ou tomar um copo d’água.

Cicatriz coçando.. cada vez me identifico mais com o chato do Harry Potter (— o personagem).

Malhação é sempre a mesma coisa. E eu ainda me surpreendo com isso.

Atuações péssimas, uso constante de lugares-comuns, clichês em demasia… Preciso dizer de que novela se trata? (Ou não seriam todas a mesma coisa?)

Assim que o fato de eu estar em férias deixar de ser uma GRANDE novidade, a programação do blog voltará ao normal (*ufa!*).

Eu sempre fui mais das terças de limão que das quintas de moranga (sabe como é… quinta-feira, dia de Gilmore Girls…). E a Sony, sutilmente, ainda mantém essa lacunosa classificação… (Por que não há frutas ou legumes para os outros dia da semana?)

Desisti de ver o segundo CSI: era muita carnificina para um só dia!

Férias, apesar

Pensando bem, é legal estar em férias (caso em algum momento eu tenha transparecido algum traço de desilusão ao postar aqui no blog). Posso aproveitar para ler qualquer bobagem, sem me preocupar em ter de me informar sobre a matéria da prova do dia seguinte. Posso comer um monte de coisa-barra-sujar um monte de louça (paranóia!?), sem ter de me preocupar em lavar tudo isso depois. Posso dormir às 2h (como sempre fiz), sem necessariamente ter de acordar às 7h no dia seguinte (vulgo ‘mesmo dia’; também conhecido como ‘mas eu ainda nem dormi…’). Posso passar um dia inteiro sem fazer absolutamente nada, e sem me sentir culpada por isso. Posso passear com o cachorro [!] (durante as aulas não há cachorros para passear). Posso interromper uma frase no meio e simplesmente alegar que. Posso perder algumas horas do dia indignada com o fato de que cada vez mais se esteja cada vez mais comemorando cada vez mais cedo o cada vez mais Natal. Enfim, isso tudo é para dizer que, estando em férias, tudo é possível. Tempo há de sobra. Disposição, idem. (Mas o que falta mesmo, e que talvez faça toda a diferença, é a tal da rotina. Que falta faz a maldita imbecilidade do dia-a-dia!)

3 motivos para ler Barthes

1. Comecei a leitura de “Aula“, de Roland Barthes, anotando as frases que mais me chamavam a atenção…

“A língua implica uma relação fatal de alienação.” (p. 13)

“Mas língua, como desempenho de toda linguagem, não é nem reacionária, nem progressista; ela é simplesmente: fascista; pois o fascismo não é impedir de dizer, é obrigar a dizer.” (p. 14)

“Hoje creio realmente que, sob a pertinência que aqui se escolheu, língua e discurso são indivisos, pois eles deslizam segundo o mesmo eixo de poder.” (p. 31)

(…mas em seguida interrompi as notas, antes que tivesse copiado o livro inteiro, só em frases :P)

O livro é uma transcrição da aula inaugural da cadeira de Semiologia Literária do Colégio de França, dada por Barthes em 7 de janeiro de 1977, e foi publicada logo em seguida com o singelo e des-pretensioso título de “Leçon“. Trata-se de uma das obras mais polêmicas do autor, tamanha a crítica que ele faz da presença inarredável do Poder de qualquer discurso que se faça. O tom polido e educado que se espera de um professor em seu primeiro dia de aula é intercalado por uma fina ironia e uma crítica ferrenha ao Sistema. Para R.B., a importância da Literatura estaria no fato de que ela exerce uma espécie de “função utópica” (por se tratar de um discurso [[teoricamente] vindo de fora do poder).

“A ciência é grosseira, a vida é sutil, e é para corrigir essa distância que a literatura nos importa.” (p. 19)

2. Outro livrinho (em tamanho) bastante interessante de Roland Barthes é “O Prazer do Texto“. Nele, o autor discorre caoticamente acerca do relacionamento do leitor com a obra que lê, e das duas diferentes maneiras de se saborear uma leitura: o prazer e o gozo.

“Quem suporta sem nenhuma vergonha a contradição? Ora este contra-herói existe: é o leitor de texto, no momento em que se entrega a seu prazer.” (p. 8)

“O prazer é dizível, a fruição [o gozo] não o é.” (p. 31)

“O enfado não está longe da fruição: é a fruição vista das margens do prazer.” (p. 36)

“E, perdido no meio do texto (não atrás dele ao modo de um deus de maquinaria) há sempre o outro, o autor.” (p. 38)

O escritor é como “o morto do bridge: necessário ao sentido (ao combate), mas ele mesmo privado de sentido fixo.” (p. 48)

3. Durante todo o tempo em que li “Roland Barthes por Roland Barthes” fiquei imaginando como seria se ele estivesse vivo e tivesse um blog… O livro é uma espécie de anti-autobiografia, difícil de descrever. É uma espécie de colagem de fragmentos escritos ao longo de alguns anos da vida do escritor, alguns falando de aspectos pessoais, outros falando de sua obra. Chega a ser bizarro vê-lo escrevendo sobre si mesmo ora em terceira, ora em primeira pessoa: como se assumindo aquilo que disse, logo depois de atribuir a si mesmo aquilo que está prestes a dizer.

“Mas eu nunca me pareci com isto!
— Como é que você sabe? Que é este “você” com o qual você se pareceria ou não? Onde tomá-lo? Segundo que padrão morfológico ou expressivo? Onde está seu corpo de verdade?”
(p. 42, ao lado de duas fotos, em duas épocas diferentes de sua vida)

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Dá para confiar na Wikipedia?

“Still, the question of Wikipedia, as of so much of what you find online, is: Can you trust it?”

Confie desconfiando. Ao menos é essa a mensagem que tenta passar o artigo “Snared in the Web of a Wikipedia Liar” do Week in Review no NY Times de hoje…
O texto fala do caso de John Seigenthaler, ex-editor do The Tennessean e do USAToday (espero que os dados já tenham sido corrigidos :P), que tinha falsas informações atribuídas a ele (como suspeita de envolvimento no assassinato de Kennedy!) em um artigo da Wikipedia.

“The case triggered extensive debate on the Internet over the value and reliability of Wikipedia, and more broadly, over the nature of online information.”

Para solucionar o problema, os responsáveis pelo site estão pensando em lançar um review machanism, no qual os visitantes pudessem dar uma nota para os artigos, baseados em um critério de confiabilidade das informações prestadas. Parece ser útil 🙂
O caso também envolve questões legais, já que a postagem errônea na Wikipedia foi anônima (e até daria para chegar ao autor original das alterações no artigo, mas isso iria contra a tal da liberdade de expressão na web…)

Confira também: a opinião do próprio envolvido no caso em um editorial do USAToday

Desmaterializando o mundo

Zero Hora, 02/12/05, página 3:

Abraço virtual

Vem aí a jaqueta que transmite a sensação de toque pela Internet. Na mesma linha, pesquisadores já pensam em produzir pijamas infantis que serviriam para dar abraços virtuais. A roupa wireless recebe comando a partir de um computador e seria um achado para os pais que viajam muito.
Num teste com animais, alterações na pressão e na temperatura promovidas pela roupa faziam eles se sentirem como se estivessem sendo tocados.

Qual é o próximo passo? Sabor virtual? Ou um computador que chora enquanto seu dono, impávido, mostra-se completamente indiferente?
Haverá um tempo em que os cientistas se trancarão em seus laboratórios, enquanto os ratinhos sairão felizes a perambular pelo universo… E os seres humanos passarão a viver em cubículos de meio metro quadrado, desprovidos de qualquer recurso material, não mais necessitando dos outros para (sobre)viver: basta ter uma jaqueta, para sentir emoções falsamente verdadeiras, e um computador conectado à internet, para que possa se comunicar com o mundo. O resto é supérfluo.
Não duvido de mais nada (se é que em algum momento cheguei a duvidar de qualquer coisa).

Mas tudo bem. Apesar de tudo, a idéia do toque virtual ainda é interessante.
E há inúmeras possibilidades de uso para o equipamento, não só para pais relapsos e seus filhinhos de pijama sozinhos em casa antes de ir para cama (que cena meiga de se imaginar!!)… Se for um daqueles pijamas clássicos de listrinhas e touquinha combinando haverá, enfim, algum resquício de sensibilidade…