Category Archives: direito

Liberdade de locomoção virtual

O Habeas Corpus é uma ação constitucional cujo objetivo é assegurar a liberdade de alguém que tem seu direito de ir e vir ameaçado ou violado por ilegalidade ou abuso de poder – como no caso de uma prisão sem fundamento na lei. Tentar usar um Habeas Corpus como via para exigir acesso ao YouTube no tempo do bloqueio decorrente da polêmica do vídeo da Cicarelli é no mínimo curioso. Pena que a Justiça é lenta (o resultado saiu tarde demais – em 12 de janeiro, o YouTube já havia sido restabelecido para todos os brasileiros) e retrógrada (o Judiciário brasileiro ainda não entendeu a Internet). Talvez alguma outra ação fosse mais pertinente nesse caso – mas mais demorada, também. O Habeas Corpus tem tramitação mais rápida porque protege direito constitucional.

Empilhando advogados

Ao que parece, Pelotas terá uma nova faculdade em 2008. E eles pretendem oferecer o curso de Direito, já a partir do próximo ano.

Também há planos de incluir uma nova turma em mais um turno em uma das faculdades de Direito já existentes na cidade.

Com isso, devem ser pelo menos mais 150 novos alunos por ano.

E o que a cidade vai fazer com tanto advogado? Do jeito que está (3 cursos, mais de 300 novos profissionais por ano) dá uma média de um bacharel em Direito para cada mil habitantes por ano. Depois ninguém entende por que a maior parte dos formandos acaba trabalhando em áreas completamente diferentes das quais se formaram…

Há mercado na cidade para isso tudo?

Termos jurídicos absurdos, parte 10

Purgar a mora – embora efetivamente pareça, não se trata de um palavrão. Para entender o que é purgar a mora, primeiro é preciso entender o que é a mora. — Ou quem sabe antes seja melhor entender o que não é a mora? A mora não é uma fruta com um espaço acidental entre a primeira e a segunda sílaba. Mora aqui também não se refere a uma fase da divisão celular. Mora, no Direito, significa estar em atraso. Mas então por que usar uma palavra tão esquisita para se referir a algo tão simples? Bom, aí fico devendo uma resposta. Mas o pessoal do Direito adora essas palavrinhas complicadas…

Diz-se que alguém está em mora quando deixa de cumprir com uma obrigação (leia-se pagar o que deve) no prazo estabelecido. E não é só questão de tempo – estar em dia significa obedecer ao que foi acordado em termos de tempo, lugar e forma para a celebração do negócio jurídico (opa! juridiquês acidental… sorry).

Purgação tem a ver com o sentido padrão que já se conhece (sabe, aquele do purgatório? — ou o espaço onde ficam as almas em preparação para chegar ao Céu, naquela historinha de ficção de mais de 2 mil anos atrás). Quem está em mora (ou seja, em atraso), precisa dar um jeito de sair desse atraso e ficar em dia logo com suas obrigações. Então é por isso que quem está em mora irá sempre procurar purgá-la, extingui-la, eliminá-la. E é aí que surge a tal da purgação da mora (ou “sair do atraso”).

Geralmente, purgar a mora significa fazer um acordo com o credor (TJA para o salafrário que está te cobrando a dívida que você achou que ele nunca iria cobrar – afinal, ele era, ou parecia ser, um amigo), ou então pagar a dívida, acrescida de juros (moratórios! – ou juros por atraso) e multa.

Aplicações na vida cotidiana

– Esqueci completamente o dia do seu aniversário. Espero que este presente sirva para purgar a mora.

– Não posso perdoá-lo por ter chegado tarde ao jantar na casa dos meus pais. Essa mora não poderá ser purgada.

– Enviei flores numa desesperada tentativa de purgação de mora.

Veja também: TJA, parte 9.

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Termos jurídicos absurdos, parte 9

Jurisprudência – conjunto de decisões reiteradas em segunda instância. Ou, simplificando ao máximo, é o que decidem os desembargadores acerca de decisões que os juízes deram para o caso concreto mas que não agradaram pelo menos uma das partes do processo. Como a jurisprudência reflete o que pensam os que decidem em segunda instância, os advogados procuram se basear no que tem decidido normalmente os tribunais para construir seus argumentos. Os juízes podem até divergir da posição predominante em um determinado tribunal, mas, se alguma das partes do processo apelar, provavelmente o advogado dessa parte irá utilizar um arsenal de jurisprudência (algo como “Vejam só, desembargadores, vocês já decidiram assim antes em um caso parecido!”) para fundamentar suas sustentações. E a decisão do juiz terá mais chances de ser reformada. (E constituir nova jurisprudência).
Ao lado da lei, da ‘doutrina’ (outro termo feliz que merece um post à parte) e dos costumes, a jurisprudência é uma das fontes do Direito.
Em suma, a jurisprudência acaba com o caráter criativo do Direito – pois ela faz com que casos semelhantes recebam decisões semelhantes, sem que se dê a atenção necessária às particularidades de cada caso.

Aplicações na vida prática:

– Só porque deixei você sair na semana passada não quer dizer que vou deixá-lo sair nesta também. Ainda não formei uma jurisprudência.

– Alguns queriam ir a festa, outros ao restaurante. Como nós nunca tínhamos saído juntos, não havia jurisprudência dos gostos da maioria.

Em um restaurante:
– O de sempre?
– Sim.
(jurisprudência detected!!!)

Veja também a parte 8.

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Pena de prisão por “cachorricídio”

O terceiro acusado de envolvimento no caso da cadela Preta em Pelotas foi condenado a um ano de detenção em regime aberto e multa, além da vedação de pena alternativa. (Os outros dois envolvidos no caso não foram a julgamento – eles tiveram oportunidade de transação penal e cumpriram um ano de trabalho comunitário… em um canil). A punição maior se justificaria pelo fato de que ele era proprietário do veículo e porque estava dirigindo o carro no momento do crime. A decisão é ainda em primeira instância, com 99.9% de chance de que se irá interpor recurso por conta do rigorismo da pena imposta.

O jovem foi condenado por cachorrocídio qualificado pelo emprego de tortura crime ambiental. Em 2005, a cadela preta foi amarrada a um carro e arrastada por diversas ruas da cidade. O caso ganhou proporções absurdas, com passeatas em todo o país, e chegou ao extremo de alguém ter gritado “morte aos assassinos da cadela preta” em uma dessas ocasiões. Na época, a cadela Preta virou tema recorrente de discussões em sala de aula (o caso tinha farto material para interpretações jurídicas felizes). Além de virar temática estudantil, o assunto também reverberou por todos os tipos de mídia. Deu até no Fantástico (a gente ainda vive em uma sociedade Redeglobocêntrica? Faz tanto tempo que não ligo a televisão que já nem sei mais quem domina a disputa pela audiência). A ‘comunidade’ no Orkut (2005 foi o auge do Orkut!) dedicada à cadela tinha (ainda tem) uma quantidade gigantesca de usuários revoltadíssimos contra a atitude dos três jovens. Até gente que nunca tinha sequer visto a cadela Preta uniu-se ao coro de revolta e pedido de condenação dos envolvidos.

Enquanto isso, milhares de crianças morriam a cada dia no país. De fome, no trânsito, assassinadas. Mas ninguém parecia se importar com isso. Essas pessoas só queriam saber de mobilizar ainda mais gente para evitar que os assassinos da cadela Preta não ficassem impunes. Eles queriam Justiça! (imagina uma mobilização de tal monta para combater os escândalos políticos do país!).

E agora veio a notícia da condenação do principal envolvido. Ele poderá ter de ficar preso por até um ano. Isso é a Justiça que as pessoas queriam? Será que multa e prestação de serviços à comunidade não bastariam como medidas repressivas?

Regime aberto

Código Penal

“Art. 36 – O regime aberto baseia-se na autodisciplina e senso de responsabilidade do condenado.
§ 1º – O condenado deverá, fora do estabelecimento e sem vigilância, trabalhar, freqüentar curso ou exercer outra atividade autorizada, permanecendo recolhido durante o período noturno e nos dias de folga.
§ 2º – O condenado será transferido do regime aberto, se praticar fato definido como crime doloso, se frustrar os fins da execução ou se, podendo, não pagar a multa cumulativamente aplicada.”

Crime ambiental

Lei de Crimes Ambientais

“Art. 32. Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos:
Pena – detenção, de três meses a um ano, e multa.”

Pena alternativa

A lei de crimes ambientais permite que se substitua uma pena privativa de liberdade de até 4 anos por penas restritivas de direito (como a prestação de serviços à comunidade). Entretanto, para conceder o benefício, o juiz também deve analisar no caso concreto as circunstâncias do condenado e do crime. Um caso com a repercussão que teve o da cadela Preta é suficiente para justificar a vedação de substituição da pena de detenção pela de prestação de serviços.

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Termos jurídicos absurdos, parte 8

Consolidação – nas relações civis, diz-se que há consolidação quando o que já era dono de uma parte se torna dono do todo (ou porque comprou a parte do(s) outro(s), ou por qualquer outro motivo)

Exemplo de aplicação na vida prática:

“Estavam todos discutindo, mas eu comecei a falar sobre girafas e consolidei a conversa”

(Okay, o termo consolidação já tem bastante utilidade prática por conta própria… :P)

Outros termos: 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7

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Infração virtual, julgamento real

E para não fugir totalmente da temática ‘oficial’ deste blog…

A empresa Eros, especializada em produtos para, ahm, diversão sexual, iniciou um processo contra Volkov Catteneo por violação de copyright. Até aí não há nada demais na história, exceto pelo fato de que a Eros cria produtos virtuais, e que Volkov Catteneo é, na verdade, um avatar de Second Life.

O processo, iniciado no começo deste mês, corre em uma vara cível da Flórida. Representantes da empresa de produtos adultos virtuais alegam que o avatar em questão teria encontrado uma forma de violar o impedimento de se fazer cópias dos produtos feitos pela Eros.

Embora a Linden Lab tenha uma mentalidade quadrada e mantenha o código do Second Life fechado (o futuro é open source), a propriedade intelectual é resguardada a tal ponto no Second Life que a cada um é assegurado todos os direitos sobre suas criações. São os criadores dos produtos que decidem se ele será copiável livremente, ou se terá acesso restrito. É possível, por exemplo, determinar a aquisição mediante pagamento em L$, mas com uma cláusula que impeça a reprodução do produto.

As cópias não autorizadas feitas por Catteneo estariam provocando uma diminuição nas vendas (e, conseqüentemente, uma perda nos lucros em dinheiro real) da empresa Eros. E é nesse ponto que a questão se torna relevante para se acionar o Judiciário: embora se trate de um mundo virtual, lida-se com dinheiro real.

Quanto ao réu, consta no processo apenas o nome do avatar, e uma presunção de que se trata de um cidadão americano. Não se tem maiores detalhes sobre Catteneo, e, por isso, os advogados da Eros solicitam que a Linden Lab ou o PayPal liberem dados do usuário.

E aí, o Second Life “é só um joguinho”?
(Talvez, para levar a sério a demanda, seja preciso abstrair o fato de que se trata de uma empresa que vende produtos sexuais em um ambiente virtual tentando processar um avatar, algo que soaria totalmente absurdo alguns anos atrás, mas que poderá se tornar rotina, à medida que novos e complexos ambientes virtuais surjam… O futuro digital é bizarro)

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Termos jurídicos absurdos, parte 7

… ou “O Fantástico Mundo da Evicção”

Evicção

Diz-se que há evicção quando o comprador de uma coisa perde essa coisa para um terceiro em virtude de decisão judicial fundamentada em fato anterior ao momento da compra da coisa. Na ação de evicção, há na verdade o exercício de duas pretensões: uma do terceiro sobre o comprador (para recuperar a coisa) e outra do comprador sobre o vendedor (para receber de volta o dinheiro que pagou pela coisa).

Sujeitos da ação:
Evicto – de acordo com nosso eminente professor de Direito Civil I (UFPel, 2005), ao contrário do que à primeira vista possa parecer, o evicto “não é o marido da Evita”. Piadinhas infames à parte, o evicto é a criatura sem sorte que vem a perder a coisa na decisão judicial promovida pelo evictor.
Evictor – sob pena de ser responsabilizada pela criação de uma piada mais infame ainda que a do professor de Civil, um evictor é mais do que um sujeito de nome Victor com existência virtual. O evictor é aquele que promove a ação para tomar a propriedade da criatura sem sorte (evicto).

É mais ou menos assim: pela evicção, um carinha sem sorte compra uma casa de um sujeito boa pinta. Só que ele não sabe que o sujeito (aparentemente) boa pinta na verdade não era dono da casa. A casa era de um outro sujeito malandrão, que é dono de praticamente todo o pedaço. O carinha sem sorte não sabe disso tudo, e vai morar na nova casa. Mas o sujeito malandrão não espera muito tempo para entrar com uma ação judicial para tomar a casa do carinha sem sorte. E o carinha sem sorte perde a casa dele na Justiça, embora tenha gasto todas as suas economias para adquiri-la. Nesse caso, diz-se que o carinha sem sorte foi vítima de evicção: ele é o evicto. Já o sujeito malandrão é o evictor. Após perder a casa, para o carinha sem sorte só resta entrar com uma ação contra o sujeito (aparentemente) boa pinta que originalmente lhe vendeu a casa, para tentar reaver o dinheiro investido (já que a casa não era do boa pinta, e sim do malandrão).

Esquema prático para entender a evicção:

Confira também as partes 1, 2, 3, 4, 5 e 6.

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Absurdos da vida civil

Um contrato preliminar ocorre quando as partes se obrigam a se obrigarem a fazer algo no futuro. É o contrato celebrado previamente para garantir a celebração de outro contrato mais adiante. Como exemplo, há a promessa de compra e venda, na qual um indivíduo se compromete perante outro a adquirir um determinado objeto mediante o pagamento de um determinado preço. Nesse caso, há, em um primeiro momento, o contrato de promessa de compra e venda. Em outra ocasião, as partes celebram um segundo contrato, que irá regular a compra e venda em si. Se houver registro público dos respectivos contratos, os efeitos são diferentes: a promessa de compra e venda gera o direito real do promitente comprador (ou seja, direito oponível contra todos de que será feito o contrato previamente estipulado), ao passo que o contrato de compra e venda gera direito real de propriedade sobre o bem objeto da relação (também oponível contra todos).

Dá para resumir tudo em poucas frases, até com exemplo. Então por que no livro são mais de 30 páginas, que dão voltas e voltas, e impedem que se consiga manter a atenção do início ao fim da leitura???

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