Category Archives: direito

Processo eletrônico

Nesta sexta-feira foi julgado o primeiro recurso eletrônico dirigido ao STF. A tendência é que cada vez mais os processos passem para o ambiente digital. Com isso, economiza-se não só em papel, como também há uma significativa diminuição no tempo de tramitação do processo. No caso do recurso do STF, o tempo total de tramitação foi de 17 dias.

Quem já trabalhou em secretaria ou cartório do Judiciário sabe bem como funciona. Cada fase do processo precisa ser registrada, assinada, lavrada, certificada e datada para que seja válida. E isso toma tempo. Os processos precisam esperar dias e dias até que a fase seguinte seja acionada.

Para que um processo que chegou das mãos do advogado de uma das partes chegue até a sala do juiz para uma decisão, por exemplo, o processo precisa passar pelo recebimento no balcão, recebimento na secretaria, despacho de conclusão, remessa dos autos conclusos ao juiz, e só então alguém pode pegar a pastinha do processo e levar para a sala ao lado (da secretaria para o gabinete do juiz). Nessa brincadeira toda, o processo passa por várias mãos, e sucedem-se vários dias.

Mas a parte mais divertida é quando um advogado pede cópia do processo. Aí então o estagiário que estiver por perto precisa ficar uma tarde inteira plantado ao lado da fotocopiadora para tirar xerox página por página, frente e verso (sim, eu já passei por isso). Com o processo eletrônico, acaba tudo isso. Todos podem ter uma cópia digital e acessá-la quando bem entederem, os estagiários podem voltar a lidar exclusivamente com o Direito, e o ideal da tramitação célere do processo fica cada vez mais perto de ser atingido.

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Bacharelado em Fatos

Em qualquer ação ou peça processual, os advogados costumam ter que alegar questões de fato e de direito. As questões de fato correspondem a narrar o que aconteceu, quando, em que circunstâncias, onde, quem fez o quê e como (narrar os fatos tem mais ou menos os mesmos requisitos para se contar uma notícia, com a diferença de que não se pode inovar no lead :P). Já as questões de direito dizem respeito às normas jurídicas que amparam o pedido, ou aquilo que se quer com a ação que se está movendo. Por exemplo, se alguém bater no seu carro, nos fatos vai a descrição do acidente, e no direito vem a possibilidade de se ingressar por ação por dano material, prevista no Código Civil.

Até aí tudo bem. Mas há um autor, William Twining, que acha que os estudantes de Direito estão fazendo o curso errado. Para ele, é mais importante descrever bem os fatos que aconteceram (para poder comprovar que se tem o direito alegado) do que propriamente descrever o que a lei prevê para aquele caso (até porque é obrigação do juiz conhecer a lei, e não o contrário). Daí então ele sugere que deveríamos levar os fatos a sério e passar mais da metade da faculdade estudando fatos (e como narrá-los) ao invés de passar tanto tempo debruçados sobre o direito. Em suma: para Twining, deveríamos nos formar Bacharéis em Fatos, e não Bacharéis em Direito.

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Crimes contra a honra em blogs

Os usuários de Internet podem e devem se proteger contra ofensas à honra realizadas na blogosfera, ou em qualquer outro ponto do ciberespaço. Há inclusive a possibilidade de responsabilização penal para esses casos.

Antes de falar dos crimes contra a honra em espécie – calúnia, injúria e difamação – é útil dizer alguma coisa sobre os tipos de honra. Em termos jurídicos felizes, tem-se a honra objetiva e a honra subjetiva. A honra objetiva é quando a ofensa é dirigida à reputação do indivíduo, ou seja, à opinião que os outros tem sobre essa pessoa. Nesse caso, é imprescindível que outras pessoas fiquem sabendo que houve a ofensa (do contrário, não houve crime). Já a honra subjetiva é quando se ofende atributos pessoais que o indivíduo acha que possui. Nesse caso, não é preciso que ninguém mais fique sabendo: basta que a vítima se sinta ofendida.

Em termos práticos, a calúnia e a difamação ofendem a honra objetiva – e na Internet esses crimes podem ser praticado em blogs, comunidades do Orkut, ou qualquer outro meio capaz de atingir outras pessoas. Já a injúria ocorre quando há ofensa à honra subjetiva. Nesse caso, até um xingamento por e-mail pode ser assim considerado. Mas nada impede que a injúria ocorra também em blogs, redes sociais, ou em qualquer outro espaço virtual público.

Para provar que houve o crime contra a honra, basta um printscreen. O ideal é que a página não tenha sido tirada do ar (isso facilita a identificação do autor, nos casos em que a ofensa seja anônima). Mas, na maior parte das vezes, os comentários ou posts ofensivos são tirados do ar em pouco tempo (até porque no absurdo sistema jurídico brasileiro, o próprio blogueiro pode ser responsabilizado por comentários ofensivos de um visitante contra terceiros, principalmente quando é avisado do fato e não retira o comentário do ar em tempo hábil), e o único meio de provar será ter tirado uma “foto” da página quando a ofensa ainda estava por ali (ou quando a página ainda existia – deletar uma comunidade no Orkut ou um blog inteiro é uma operação extremamente simples, por exemplo).

A calúnia se configura quando alguém imputa a outrem um fato criminoso. É mais ou menos como dizer que o fulaninho furtou dinheiro de outra pessoa. O fato em si tem que ser criminoso. Já a difamação ocorre quando há a imputação de um fato não criminoso – algo como acusar o outro de ter praticado adultério (já que o adultério não é mais considerado crime no Direito brasileiro).

Esses dois crimes ofendem a honra objetiva, e costumam ocorrer em conjunto com o crime de injúria (que é ofender os atributos físicos, morais ou intelectuais de outro indivíduo). Uma injúria com calúnia, por exemplo, pode ocorrer quando um indivíduo chama o outro de ladrão, e depois acusa de ter roubado dinheiro de outra pessoa. Ter chamado de ladrão já configura injúria (mesmo que ninguém mais ouça o xingamento). E a acusação de roubo, se chegar ao conhecimento de mais alguém (do contrário, não fere reputação nenhuma), é um crime de calúnia.

A única dúvida que tenho é se a pessoa que pratica o crime em um blog responde pelo crime comum do Código Penal (para o caso de ser considerada uma espécie de divulgação de crime contra a honra) ou pela Lei de Imprensa (nesse caso, ter-se-ia que considerar o blog como meio de comunicação). Pela redação do parágrafo 4º do artigo 3° da Lei de Imprensa, “são empresas jornalísticas, para os fins da presente Lei, aquelas que editarem jornais, revistas ou outros periódicos. Equiparam-se às empresas jornalísticas, para fins de responsabilidade civil e penal, aquelas que explorarem serviços de radiodifusão e televisão, agenciamento de notícias, e as empresas cinematográficas”. Será que (alguns) blogs não possuem um alcance tão grande que poderiam ser incluídos nessa categoria?

Por fim, cabe ressaltar que os três crimes contra a honra funcionam mediante queixa. A ação penal é privada, e só começa se o próprio ofendido procurar a autoridade judiciária.

Para compreender o outro lado: este texto do Observatório da Imprensa apresenta dicas de como um blogueiro deve proceder para evitar acusações (ou o que fazer quando já se foi acusado).

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Termos jurídicos absurdos, parte 6

Imputação – não, não é palavrão. Apesar de conter um em seu núcleo central. Imputação é um termo usado em juridiquês arcaico-rebuscado para significar o fato de que um fato criminoso é suscetível de ser enquadrado em uma lei que o define como crime. Confuso ainda? É mais ou menos assim: Crime é o que está definido em lei como tal. Imputável é aquele a quem se pode imputar um crime. Imputar é a ação ou efeito de, ahm, enquadrar a conduta como crime (não confundir com “emputar”, que, se existisse, teria tudo para ser o verbo associado ao palavrão do núcleo da palavra). E a imputação é o resultado disso tudo.
Tem outras variações, como inimputável, que é aquele a quem não se pode imputar crime algum (exemplo: menores de idade são inimputáveis frente ao Código Penal; mas isso não impede que não possam ser imputados nas infrações previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente).

Sintetizando…
Imputar – atribuir uma conduta criminosa a alguém

Aplicações na vida cotidiana:

– Não me imputa assim nesse tom! Eu não fiz nada!

– Você precisava ter ido àquele jantar. Era uma imputação atrás da outra, com todos se xingando uns aos outros.

– Pára de me xingar, se não vou te imputar!

– Não tem graça brigar com o Carlinhos. Ele é inimputável.

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Termos jurídicos absurdos, parte 5

Trânsito em julgado

Não, não tem nada a ver com automóveis, estradas, engarrafamento. O trânsito em julgado é o momento a partir do qual uma decisão judicial começa a fazer efeito, pois a partir dela não cabe mais recurso. Ainda parece grego?
Simplificando ao máximo, a vida de um processo judicial é mais ou menos assim:
Um carinha indignado move uma ação contra outro indivíduo. O outro indivíduo se defende, o carinha contra-ataca, e segue assim até que o juiz tome uma decisão (baseado nos ataques e defesas das duas criaturas). Quando uma decisão final é proferida pelo juiz (e essa decisão final se chama de sentença), é dado um prazo para as partes aceitarem a decisão, ou então recorrerem. A partir daí, há duas opções: ou as partes se conformam, e, findo o prazo, o processo termina de vez (transita em julgado, ou seja, o assunto objeto do processo se transforma em algo já decidido, já julgado, que não dá para discutir mais), ou então elas apelam para os tribunais superiores. No caso de haver apelação, é como se a cada instância superior acontecesse tudo de novo (um ataca, o outro defende, aí é proferida uma decisão, e as partes têm um tempinho pra decidir se aceitam ou se querem subir um degrau acima e recorrer novamente para um tribunal mais superior – isso se ainda houver essa possibilidade). Também tem um prazo para que a decisão do tribunal superior transite em julgado. E também há prazos para que as pequenas decisões que vão sendo tomadas no meio do processo (ainda antes da sentença) também transitem em julgado.
E por que é importante saber quando algo transita em julgado?
É que muitos dos efeitos da sentença (e das decisões intermediárias) só começam a ser produzidos após o trânsito em julgado. Como exemplo, num processo que pede a condenação do indivíduo a pagar uma determinada indenização, esse valor só poderá ser exigido após o trânsito em julgado (e não a partir do dia em que for dada a sentença). Um efeito importante do trânsito em julgado é que ele faz coisa julgada (ãn?), ou seja, aquele assunto discutido no processo não pode voltar a ser discutido em outro processo, porque, para o direito, aquilo já é coisa julgada (res iudicata; tem um item desses ali do lado no menu do blog –>, querendo significar que o que passou não volta mais :P).

Eu tinha feito uma historinha em desenhos, mas o meu Paint bagunçou tudo na hora de salvar…

Sintetizando…
Trânsito em julgado – é uma decisão judicial irrecorrível, da qual não cabe mais recurso.

Aplicações na vida prática:

– Não quero nem saber, já se passaram dois dias, a promessa transitou em julgado. Agora você terá de cumpri-la.

– Meu filho, eu sei que eu decidi ontem que iria antecipar a mesada, mas tem que esperar mais uns dois dias até o trânsito em julgado.

– Agora não dá mais para mudar de opinião. A sua decisão de não viajar no feriado já transitou em julgado. Até já programei o fim de semana com os amigos.

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Termos jurídicos absurdos, parte 4

Em juridiquês arcaico-romano-rebuscado, quando se diz que algo tem eficácia erga omnes significa que os efeitos que essa coisa produz são oponíveis contra todas as pessoas. A expressão tem origem latina. Erga significa contra; omnes quer dizer todos. Pronuncia-se algo como “ér-ga-ô-mi-nês”. Um direito erga omnes é um direito que pode ser exercido contra todos. Como exemplo, o direito de propriedade costuma ser erga omnes, ou seja, sou dono de um imóvel, e essa propriedade exclui a de todos os demais indivíduos que poderiam vir a alegar que também são donos daquele mesmo lugar. Os direitos erga omnes se opõem aos direitos com efeito inter partes, ou seja, direitos que só valem entre os indivíduos que se obrigam mutuamente (geralmente esse tipo de relação é estabelecida por contrato entre as partes).

Aplicações na vida prática:

– Não quero mais namorar escondido. Nosso namoro tem que ser erga omnes.

– A crítica não era só para o cozinheiro. A crítica era erga omnes e dirigida a todos os trabalhadores do restaurante.

– Achei que só eu tinha recebido aquele spam. Mas ele era erga omnes.

– Até tentei falar com o João, mas a raiva dele era erga omnes.

A caixinha de comentários deste post é um veículo de manifestação de eficácia erga omnes 🙂 (já o e-mail tem efeito inter partes).

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Termos jurídicos absurdos, parte 3

Turbação – impedir o livre exercício da posse alheia a partir da prática de atos que não permitam que a posse de outrem seja exercida de forma plena. Não confundir com esbulho, que ocorre quando a posse de um é tomada por outro. Pelo menos turbação tem uma origem etimológica perfeitamente lógica. Ou acaso alguém nunca ouviu falar do verbo perturbar?

Utilidades práticas:

– Se você não me emprestar a pecinha de Lego que falta para completar minha torre, vai haver turbação!

– Diferentemente da organização de ontem, hoje o evento estava a maior turbação, com uns interferindo nas atividades dos outros.

– Esse cachorro que não pára de latir está provocando a maior turbação no meu livre exercício de escolher o que ouvir.

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Código Penal dos Estudantes de Direito

Induzimento, instigação ou auxílio ao alunicídio
Art. 122. Induzir ou instigar alguém a cometer alunicídio ou prestar-lhe auxílio para que o faça.
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos se o alunicídio se consuma; ou reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, se da tentativa de alunicídio resulta lesão corporal de natureza grave.

Parágrafo único. Entende-se por alunicídio o suicídio cometido por aluno durante ou após a realização de uma prova, ou no momento de recebimento da nota. Como o suicídio em si não é punível pela legislação brasileira, o alunicídio também não o é – apenas é apenado aquele que, valendo-se do estado depressivo no qual se encontra o aluno, contribui para que esse vá em frente e pratique o atentado contra a própria vida.

Mestrecídio
Art. 123. Matar, sob a influência do estado puerproval, o próprio professor, durante a prova ou logo após:
Pena – detenção, de 2 (dois) a 6 (seis) anos.

Parágrafo único. Entende-se por estado puerproval a alteração psíquica provocada pela realização de provas complexas e mal-elaboradas que levam o aluno ao estado alucinante de não entender nada e tomar atitudes incompatíveis com sua personalidade normal. Também é abrangido por esse conceito a chamada depressão pós-prova (DPP).

Dispositivos equivalentes no Código Penal Brasileiro “normal” – artigo 122, auxílio ao suicídio, e artigo 123, infanticídio.

* Piada interna.

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Termos jurídicos absurdos, parte 2

Outrem é alguém que só existem no mundom jurídico.

Utilidades práticas:
– A Maria me ligou?
– Tocou o telefone, mas acho que era outrem.

– Então quer dizer que o safado do Carlos estava com outra? Era a Lúcia, só pode!
– Tenho certeza de que não era a Lúcia, era outrem.

– Você pode me ajudar?
– Agora não posso. Melhor você pedir ajuda a outrem

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Termos jurídicos absurdos

Da série… “palavras jurídicas absurdas com pouca utilidade na vida prática”

Palavra do dia:

Esbulho – diz-se da tomada violenta, clandestina ou precária da posse de um bem pertencente a outrem sem o consentimento deste. Pelo esbulho, o proprietário originário não perde a propriedade (direito sobre o bem), apenas a posse (relação de fato, exercício do direito de propriedade). Seria mais ou menos assim: se tenho uma casa (propriedade) e não há ninguém morando nela por um determinado período de tempo (ex.: casa de praia no inverno), uma pessoa pode invadir a casa e lá estabelecer sua residência (nesse caso, terá sido de forma clandestina). Aí se diz que essa pessoa esbulhou a posse da casa.

Propostas de utilidade na vida prática:

Quando alguém pegar sua caneta sem pedir emprestado, você pode dizer:
Ele me esbulhou!

Se sua bic sumir sem que você saiba quem a tomou de você:
Fui esbulhado!

Se você pede algo emprestado, a pessoa nega, você pode ameaçá-la:
Vou te esbulhar, desgraçado!

O interessante é que a palavra é tão feia que o simples fato de pronunciá-la já praticamente equivale a emitir um xingamento – economia de palavras, portanto. Vê-se, assim, o quanto incorporar o termo jurídico “esbulho” ao dia-a-dia pode ser uma maneira bastante prática de poupar saliva. Em tempos de escassez de água, falar menos significa contribuir para atenuar os efeitos do aquecimento global. Usar a palavra esbulho é uma atitude ecologicamente correta.

E você, já esbulhou alguém hoje?

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